Análise The Precinct (PS5)
The Precinct: Uma imersão brilhante na vida policial que escorrega em alguns detalhes.

Eu cresci assistindo filmes policiais dos anos 90.
Aquelas histórias de detetives durões, tiras malucos e corrupção institucionalizada de filmes como Máquina Mortífera, Dirty Harry e Um Tira da Pesada moldaram minha visão sobre o que era ser um policial numa grande metrópole.
Depois, descobri obras mais críticas como Serpico e The Wire que desconstruíram a romantização da força policial e mostraram o lado sujo do sistema. Essa evolução na percepção sobre o trabalho policial é muito parecida com a jornada que The Precinct nos proporciona.
Quando The Precinct foi anunciado, confesso que minhas expectativas estavam moderadas mesmo que a proposta do jogo fosse ousada: remeter com sua visão isométrica aos primeiros GTA‘s, mas nos colocando do outro lado da lei, na pele de um policial. E mesmo que o jogo mantenha a estrutura arcade dos jogos da Rockstar, o cerne dele é tentar ser um simulador.
E claro, sempre que falamos em simuladores como Two Point Hospital, Farming Simulator, Cities: Skylines e afins, a cauda longa desses jogos depende da imersão dos jogadores e capacidade dos mesmos em entrar e viver o mundinho proposto pelo título.
Eu tenho um conhecido, por exemplo, que joga Stardew Valley todos os dias há mais de 5 anos cuidando apenas de uma horta. Ele já terminou a história e hoje em dia, só cuida dessa horta, comercializa os produtos e volta diariamente para cuidar das suas plantinhas. Esse é o poder de um bom simulador.
E mesmo que isso dependa, do engajamento do jogador com aquela proposta, se o jogo não oferecer as ferramentas certas ele se torna apenas um amontoado de atividades repetitivas.
The Precinct, na minha opinião, fica no meio termo dessa equação hora pendendo para um lado, hora para o outro.
A principal conquista do estúdio Fallen Tree Games é capturar a essência do cotidiano policial. Não estamos falando aqui apenas de perseguições de carro e tiroteios — embora eles existam em abundância. O jogo vai além: desde atividades corriqueiras como aplicar multas de estacionamento, apreensão de drogas, revistas de suspeitos, fichamento de prisioneiros, visita a barraquinhas de cachorro-quente e muito mais.
Os turnos são variados, sendo possível escolher se o patrulhamento será feito a pé, de carro ou a bordo de um helicóptero, com ciclos de dia e noite, clima dinâmico, crimes gerados proceduralmente e várias atividades — se todas são interessantes aí é outra história.
Ao abordar um suspeito você precisa seguir um manual de abordagem: solicitar a verificação dos documentos do sujeito para descobrir se ele é procurado por outros crimes, revista, se ele cheirar a álcool e estiver dirigindo, fazer o teste do bafômetro e por aí vai.
Para delitos como jogar lixo na rua, vandalismo, você precisa aplicar multas, já para crimes como posse de narcóticos ou armas, dinheiro falso, contrabando, assalto você precisa enumerar os crimes, ler os direitos do meliante e o prender.
É possível ainda escoltar e fichar o bandido ou solicitar o apoio de uma viatura ou designar outro policial para lidar com a papelada. Todas essas ações garantem experiência ao jogador que podem ser trocadas por melhorias ao final dos turnos. Mas, cuidado! Acusar alguém de um crime errado, deixar um delito passar despercebido ou abordar o suspeito de forma errada causam penalidades que são descontadas dessa experiência ganha.
Como mencionei anteriormente, se você entrar no “mundinho” da parte simulador de policial, essas atividades se tornam cada vez mais naturais e você respira elas, mas se você for um jogador que perde o interesse por esse role playing rápido, elas se transformam apenas em atividades repetitivas.
A cidade de Averno, nitidamente inspirada na Nova York dos anos 80, é uma personagem por si só. Ambientado em 1983, o jogo captura perfeitamente a atmosfera urbana decadente: os grafites nos metrôs, as ruas sujas e o aumento da criminalidade.
Ao patrulhar as ruas você sente a cidade respirando: moradores reagem à sua presença com palestras de apoio ou crítica, crimes acontecem organicamente, e cada distrito tem sua própria personalidade. A qualquer momento você pode receber chamados pelo rádio que variam desde ocorrências simples como alguém jogando lixo no chão até roubos de carro e perseguições em alta velocidade. A escolha é sua: atender imediatamente, priorizar outro crime acontecendo ao mesmo tempo ou continuar sua patrulha.
O sandbox criminal de The Precinct é vivo, com gangues disputando território e reagindo às suas ações como policial, tudo isso embalado por uma trilha sonora synthwave, composta por Gavin Harrison e Sleepless Nights, que complementa a ambientação de forma magistral, misturando sintetizadores que remetem a Vangelis com batidas pesadas que poderiam estar em um filme de Michael Mann.
A narrativa principal coloca você na pele de Nick Cordell Jr., um novato na delegacia que carrega o peso de um legado. Filho do lendário capitão Nick Cordell, morto em serviço em circunstâncias misteriosas, você não está ali apenas para combater o crime – mas também para descobrir a verdade sobre o assassinato do seu pai. Essa motivação pessoal adiciona camadas à história que, apesar de bastante clichê, faz parte do gênero.
Na verdade, você acaba até ansiando por esses lugares comuns. Imagina uma história policial em que você não seja um novato com um parceiro mais velho prestes a se aposentar? Imagino que nem seja permitido que sejam criadas narrativas sem esses preceitos básicos.
Já as missões secundárias me deixaram balançado, elas quebram o ritmo dos turnos e acrescentam muito na imersão de forma positiva, mas, por outro lado sinto que elas poderiam ter sido tão melhor exploradas e integradas a história principal que a sensação final é de potencial desperdiçado.
Algumas terminam sem uma conclusão realmente satisfatória, outras apresentam reviravoltas interessantes, mas que acabam não sendo desenvolvidas. Há um potencial enorme para que essas histórias paralelas tivessem camadas e consequências mais profundas nas dinâmicas da cidade e na narrativa central.
As referências a obras clássicas do gênero policial são outro ponto alto. Uma das missões secundárias é totalmente inspirada pelos crimes seriais do filme Seven e a influência de Serpico é evidente nos dilemas morais sobre a sua com colegas de farda que podem ou não ser tão criminosos quanto as piores gangues de Averno.
E num momento que me tirou um sorriso foi quando cruzei com um suspeito usando uma jaqueta com escorpião nas costas que, se abordado corretamente, pode ser preso – uma clara referência ao personagem de Ryan Gosling em Drive.
No quesito visual, The Precinct impressiona pela atenção aos detalhes. A iluminação noturna da cidade refletindo nas poças de chuva, o interior da delegacia, a construção da cidade e o clima dinâmico – tudo contribui para uma atmosfera cinematográfica que remete aos melhores filmes policiais. Para fins de exploração, talvez a opção de poder distanciar a câmera isométrica do jogo caísse bem, mas não é possível.
Entretanto, um detalhe que merece destaque especial é a localização completa para o português, porque isso facilita muito a imersão para os jogadores brasileiros. Considerando que o jogo foi desenvolvido por apenas 5 pessoas, tudo que ele tem de positivo, realmente impressiona.
Mas, infelizmente, nem tudo são flores. O sistema de direção dos veículos é, sem dúvida, o calcanhar de Aquiles do jogo.
Com exceção das patrulhas de helicóptero, que são surpreendentemente bem implementadas e oferecem uma visão estratégica incrível da cidade, os carros, principalmente os mais rápidos, parecem sabonetes deslizando pela pista. Apesar de existirem diferentes modelos – desde viaturas padrão até veículos de choque e carros descaracterizados – todos sofrem do mesmo problema: falta de peso e resposta imprecisa aos comandos.
Isso se torna particularmente frustrante nas sequências de infiltração em gangues de corrida ilegal, onde você precisa participar de rachas para ganhar a confiança do chefão. O que deveria ser um momento de adrenalina acaba virando um exercício de paciência com a física questionável dos veículos.
O mesmo vale para as provas de corrida contra o tempo durante o treinamento na academia de polícia – uma ideia interessante prejudicada pela execução abaixo da média.
Por outro lado, exceto pela patrulha normal, em que muitas vezes você vai precisar engajar em perseguições com veículos, esse conteúdo de rachas e treinamento é opcional, então se você quiser ficar longe da pior parte do jogo é possível fazer isso 90% do tempo.
Update: Após ter escrito esse trecho descendo o sarrafo na física de veículos foi disponibilizado um patch que promete corrigir o sistema de colisões, diminuir a agressividade da IA em algumas corridas e aplicar a mesma dificuldade do jogo às corridas, mas como não terei tempo hábil para testá-lo a tempo da publicação deste review, resolvi manter o texto intacto porque ele reflete a minha experiência com o game.
Vale a pena?
The Precinct é um bom jogo de simulação com os dois pés em um gameplay mais arcade e parece uma evolução natural de American Fugitive — que não joguei, mas vi bastante conteúdo para me inteirar do trabalho do estúdio. Mesmo com falhas no sistema de direção, o pacote completo oferece uma experiência autêntica sobre o trabalho policial.
“Ser policial não é sobre heroísmo. É sobre estar lá quando ninguém mais quer estar.”
E The Precinct está quase lá, nos oferecendo uma janela fascinante para esse mundo complexo, imperfeito e profundamente humano.
A análise de The Precinct foi escrita através de uma cópia de PlayStation 5 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para Xbox Series X|S e PC.
