Análise Chained Echoes (PC)

O acontece quando um criador entende suas inspirações e traz o que há de melhor nelas? Chained Echoes surge.

Há algum tempo eu reflito sobre meu gênero favorito de videogame, o RPG de turno, e como ele tem me decepcionado um pouco. Final Fantasy levou 7 jogos para trazer alguma mudança com o sistema de ATB e então se tornar algo mais action atualmente. Pokémon, apesar das pequenas mudanças com o passar dos jogos, faz a mesma coisa há 25 anos em sua essência. Entretanto, o gênero teve ótimos lançamentos neste ano de 2022 como Digimon Survive e Tactics Ogre Reborn, o que torna ainda mais impressionante que Chained Echoes não tenha sido ofuscado.

 

No continente de Valandis, a paz é algo quase esquecido. Os três reinos que ocupam este mundo fantasioso lutam pela soberania há tanto tempo que a maioria das pessoas vive suas vidas inteiras nesses tempos de conflito. Quando uma misteriosa explosão mágica mata milhares de pessoas de uma só vez durante uma batalha crucial, os reinos finalmente param de lutar e uma era de paz começa. Com governantes e generais que ainda estão desesperados para acabar com seus inimigos de longa data, é difícil imaginar uma paz duradoura.

 

A história de Chained Echoes é simplesmente incrível e, desde o início, o jogo estabelece um elenco variado de personagens que formam seu eventual grupo. Cada um tem suas próprias motivações e impulsos, com o caos da história reunindo-os e, às vezes, separando-os. Glenn e Kylian são os últimos sobreviventes de seu bando de mercenários; Lenne é uma princesa escondida, escoltada por Robb; Victor é um lendário bardo com um passado nebuloso; e Sienna, a ladra, rouba todas as cenas em que aparece, como se Carmen Sandiego usasse uma katana. Cada um deles tem seu próprio charme, seus traumas e motivações, e até mesmo os inimigos que você precisa derrotar têm histórias interessantes. O ritmo é excelente e quase não há os tão odiados fillers para arrastar a história e atrapalhar a experiência do jogador.

Sim, o polvo tem cílios.

O que mais me chamou atenção e me trouxe de volta aquele brilho nos olhos sobre os RPGs de turno foi o sistema de combate. Cada membro da equipe tem um conjunto de técnicas totalmente únicas que podem ser melhoradas e atualizadas ao longo do jogo e, como no fim de cada batalha sua saúde e TPs (Tech Points, a mana do jogo) são restaurados, você é incentivado a dar o máximo do grupo a todo confronto.

 

O aspecto mais interessante do combate é o medidor de Overdrive, que é exibido na parte superior da tela, com as cores laranja, verde e vermelho. O intuito é que o medidor alcance a parte verde no meio da barra para o grupo causar mais dano e as habilidades custarem menos TPs, e manter abaixo da parte vermelha da barra, caso contrario seu grupo tomará mais dano dos inimigos. Para diminuir o medidor de volta para o verde e se livrar do status de Overheat, você pode defender, usar uma habilidade destacada em amarelo ou trocar com um dos membros do seu grupo que está na reserva. Gerenciar o medidor de Overdrive adiciona uma camada extra de complexidade e estratégia ao combate e significa que você não poderá apenas usar as mesmas habilidades poderosas infinitamente.

 

Entre as batalhas, você terá muitas oportunidades de aumentar o nível do seu grupo usando os Grimoire Fragments. Em vez de ganhar experiência em batalha, você recebe esses fragmentos que fornecem aos seus personagens um ponto de habilidade e aumentos de estatísticas ao longo do jogo (geralmente após lutas contra chefes). Existem também selos de classe que você pode equipar para aumentar certas estatísticas e obter novas habilidades referentes àquela classe, e um sistema de forjamento de armas que permite tornar suas espadas mais fortes, colocando cristais fundíveis nelas similar às Materias de Final Fantasy 7. Não faltam maneiras de fortalecer o time e, mesmo parecendo muita coisa, todas essas mecânicas são perfeitamente equilibradas entre si e introduzidas na medida certa dentro do jogo.  Isso impede o jogador de farmar e ficar overpower muito cedo a ponto de quebrar o jogo, fazendo com que todas as batalhas tenham seu próprio nível de dificuldade sem se tornar algo frustrante e cansativo. E caso todo o seu time morra em batalha, o jogo diz “Calma, você não irá voltar para o seu save point de 2 horas atrás e ter que refazer tudo. Só reinicie a batalha e tente novamente, amigo”.

Quando você não passa cada momento matando tudo que aparece pela frente, provavelmente vai estar explorando os vastos ambientes existentes no jogo, o que são muitos. Cada nova área alcançada é bem aberta e cheia de cantos que podem ser explorados. Você também é recompensado por fazer isso, graças ao quadro de recompensas que oferece itens úteis e até níveis por completar vários objetivos (similar ao License Board de Final Fantasy 12). Encontrar todos os baús em uma área, derrotar poderosos chefes opcionais e desenterrar tesouros no chão, tudo isso renderá recompensas e realmente incentivará a exploração do mundo de Chained Echoes.

 

Posso estar falando bem demais do jogo? Sim, porque ele merece. Tudo o que o jogo tenta fazer, faz certo. O ritmo é ótimo; não há encontros aleatórios com inimigos, quase todas as batalhas com inimigos comuns podem ser evitadas; os cristais de fast travel estão em locais estratégicos, perto de coisas importantes; tudo o que é necessário na batalha está há poucos cliques, ela nunca precisará ser pausada para entrar em menu e ter que selecionar algum item ou habilidade, retirando o jogador do calor da batalha; cada luta de chefe é única e requer um pouco de tentativa e erro para encontrar a melhor estratégia.

 

Os gráficos são excepcionalmente charmosos, trazendo um misto de Chrono Trigger com Stardew Valley. Excluindo os NPCs, cada personagem principal apresentado tem um visual único, com suas características e personalidade. A trilha sonora é muito bem colocada em cada situação, desde uma música épica de um chefe até uma parada alegórica no meio da cidade. E todas as músicas conversam entre si, elas fazem parte de uma obra completa. Não há uma música diferente o bastante para que pareça estar fora do tema proposto do jogo.

Criado por Matthias Linda, inspirado em Chrono Trigger, Final Fantasy 6 e diversos outros RPGs da era de ouro, Chained Echoes é sem dúvidas um dos melhores RPGs da atualidade trazendo as melhores características do clássico. O criador conhece a fundo todas as suas inspirações, sabe o que funciona ou não em um jogo, e sabe exatamente como implementá-las para que tudo funcione perfeitamente como as engrenagens de um robô gigante.

 

A análise de Chained Echoes foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Disponível para Nintendo Switch, PlayStation 4, Xbox One, Microsoft Windows, Xbox Cloud Gaming, Linux e Mac OS.

 

Thiago França
Também conhecido como "Trigo" ou "Tareav". Viciado em RPG tático e desenhista preguiçoso. Vendeu o PlayStation 2 e agora tem mais de 200 jogos guardados no estojo. Na build da vida esqueceu de botar pontos em carisma e sorte.