Análise Fobia – St. Dinfna Hotel (PS4)

Fobia – St. Dinfna Hotel é uma grande homenagem ao survival horror e um passo importante (e interessante) para a indústria nacional de jogos.

Review Fobia - St. Dinfna Hotel

“Quartos de Hotel são locais naturalmente sinistros, não acha? Isto é, quantas pessoas dormiram naquela cama antes de você? Quantas estavam doentes? Quantas estavam enlouquecendo? Quantas talvez pensassem em ler alguns versículos da Bíblia na gaveta da mesinha para depois se enforcarem no closet ao lado da ? […] De qualquer modo, vamos entrando. Aqui está a sua chave…”

, na apresentação do seu conto 1.408.

Eu viajo pouco, mas sempre que preciso me hospedar em um Hotel isso é a primeira coisa que passa pela minha mente. E isso não é um modo de falar, ou um exagero para criar uma introdução extravagante ou chamativa. Eu, involuntariamente, penso no começo desse conto toda santa vez que entro em um quarto de Hotel.

“— Não tem jeito!”, disse o Casimiro no fundo da minha cabeça nesse momento.

Essas são as (des)vantagens de ter boa memória e um apreço imenso pelo Mestre do Horror (em maiúsculo, por favor).

E quando comecei Fobia – St. Dinfna Hotel essa frase ficou martelando na minha cabeça por tanto tempo que eu não poderia começar esse review de uma forma diferente. Essa era uma oportunidade de ouro que eu não poderia deixar passar.

Recepção Fobia - St. Dinfna Hotel

E se minha introdução é uma homenagem modesta a um dos autores que tenho como referência, Fobia – St. Dinfna Hotel, do estúdio brasileiro Pulsatrix Studios, é uma reverência sem meio-termo a clássicos do survival horror como Fatal Frame, , mas, sobretudo, a , de onde ele tira a sua maior inspiração — algumas vezes quase beirando o limite que separa a homenagem do processinho.

Mas, se um amontado de referências, homenagens e inspiração garantisse a qualidade de um jogo, todas as centenas de souls-like, rogue-like's ou qualquer outro […]like seriam excepcionais.

E como isso está longe de ser realidade, para um jogo ser bom, é preciso trazer o seu próprio tempero para a receita. E, na minha opinião, Fobia consegue fazer isso com um dos seus elementos, que detalharei em alguns segundos.

Oitavo andar Fobia - St. Dinfna Hotel

Contudo, é bom colocar a expectativa em seu devido lugar antes de embarcar na aventura lazarenta de Roberto Lopes, repórter recém-formado que se hospeda no Hotel St. Dinfna para investigar os relatos de paranormalidade e avistamentos de uma garota fantasma na pequena cidade de Treze Trilhas.

Fobia é um jogo independente feito por um time pequeno de desenvolvedores. Mas, o tamanho da equipe aqui foi inversamente proporcional ao amor colocado no projeto, e é possível sentir todo o carinho e cuidado colocado em cada detalhe do cenário, da e dos quebra-cabeças. Nada foi colocado no game ao acaso ou aleatoriamente.

Entretanto, ele também não vai revolucionar a forma com que você consome o survival horror. E, embora nem todo jogo possa ou queira mudar as estruturas das fórmulas que transformaram seus respectivos gêneros em sucesso, percebo, no meu convívio internético, que essa é uma expectativa que parte dos jogadores tem a cada lançamento.

O cenário do Hotel St. Dinfna

Fobia – St. Dinfna Hotel joga — em sua maior parte — de acordo com as “regras” do gênero, como no caso do clássico inventário modular expansivo, que obriga o jogador a fazer o gerenciamento dos seus itens, armas e munições a todo instante, e que é parte do charme de jogos do estilo.

A exploração baseada em encontrar itens que permitirão o acesso a determinadas áreas que por sua vez liberam caminhos para outros itens e ferramentas, que servirão para desbloquear passagens secretas, atalhos ou novos cenários também é bem característica e familiar.

Porém a forma, quase sem defeitos, com que ela foi implementada é uma das cerejas do bolo de Fobia, junto aos quebra-cabeças progressivamente mais complexos e estimulantes.

A mão é o sinal do caminho para a realidade alternativa

Explorar os corredores do Hotel Dinfna é necessário, e estranhamente convidativo por ser tratar de um jogo de horror. E como desvendar os mistérios do Hotel é vital para entender com o que o jogador está lidando, investigar passa ser sua prioridade número um.

E, para auxiliar nas desventuras de Roberto o jogador recebe um objeto comum, mas com propriedades únicas: uma câmera fotográfica capaz de enxergar uma realidade alternativa, um ponto onde o espaço-tempo foi alterado. E esse é o tempero único que mencionei anteriormente, e que muda a jogabilidade de Fobia – St. Dinfna Hotel.

No decorrer da história vai ficando claro o que é essa realidade paralela. E se inicialmente ela remete ao Mundo Invertido de Stranger Things ou a realidade espiritual de The Medium, quando a chave gira e você entende determinados fatos o game dá uma reviravolta inesperada, porém muito bem-vinda.

Fobia - St. Dinfna Hotel

Se você já leu algum dos meus reviews aqui para o Conversa já sabe que o que eu tinha para dizer sobre a história encerra aqui. Não quero, mesmo que acidentalmente, dar spoilers para ninguém já que descobrir o que está por trás das aparições, e o envolvimento da sociedade secreta Sagrada Trilha em todas essas questões é uma parte significativa da experiência.

Então ao invés de discutir a história, vamos discutir a mecânica.

A câmera é um elemento fundamental da jogabilidade de Fobia, e a forma como ela é utilizada no título para revelar caminhos, itens e resolver puzzles é absolutamente incrível.

Alguns códigos só são vistos com a câmera especial

O primeiro exemplo da utilização dessa mecânica é uma espécie de tutorial de como ela funciona: o jogador chega a um beco sem saída e uma mensagem na parede diz que a câmera conecta mundos, ao equipá-la instantaneamente uma passagem na parede é revelada, e enquanto estiver com ela em punho é possível atravessar esse caminho.

É uma sacada genial, e mesmo que essa mecânica de revelar objetos do cenário com câmeras não seja exatamente nova, a utilização dela em Fobia vai além de um ou outro momento isolado. Ela é, literalmente, vital durante o jogo inteiro.

“— Então é só ficar com a câmera o tempo inteiro ligada e tudo será revelado?”

A câmera conecta os mundos

Muito pelo contrário. Existem itens e caminhos que não estão disponíveis na “realidade paralela” e vice-versa, e diversas vezes você precisa alternar entre as duas para usar elementos de uma dentro da outra, principalmente em alguns dos quebra-cabeças mais complexos.

E, por falar nisso, os quebra-cabeças de Fobia também são fantásticos, e vão desde os mais simples que envolvam encontrar um objeto com um código oculto que abrirá um cofre, uma pequena partida de um jogo de xadrez, até puzzles com múltiplos estágios que dependerão muito de pensamento lógico, e um boa dose de criatividade para serem resolvidos.

Xadrex em Fobia - St. Dinfna Hotel

Inclusive, se você é um jogador que não gosta tanto das sessões de exploração e resolução de quebra-cabeças e prefere as momentos de sobrevivência dos survival horrors sinto informar que Fobia – St. Dinfna Hotel é muito focado (e bom) nos dois primeiros aspectos, mas bem fraco no segundo, especialmente durante os combates que falham em entregar tensão e, principalmente, precisão.

Além dos inimigos comuns que não apresentam desafio ou variedade, existem três batalhas contra Chefes durante a campanha, e exceto por um deles, o(a) Pianista, cuja luta é mais singular, as outras falham em entregar o perigo necessário. Apesar da dificuldade poder escalar nesses momentos dependendo da quantidade de munição que você tem consigo ao começá-los.

Chefe Pianista em Fobia - St. Dinfna Hotel

As duas únicas preocupações que o jogador terá durante os combates será lidar com a mira oscilante e lembrar se salvou antes deles. Como o progresso é salvo manualmente, caso você não salve constantemente, um deslize pode custar trechos enormes de progresso perdido. Essa lição aprendi cedo, e da pior forma.

Por outro lado, admirei o fato dos desenvolvedores optarem por não utilizar a muleta dos sustos baratos constantes como vários jogos recentes fazem. A tensão do horror de Fobia está na sua atmosfera e na expectativa que a sua investigação gera, e não no medo em si.

Inclusive, medo é uma palavra que quase não se aplica ao título, e se para algumas pessoas isso possa ser um ponto muito positivo, para outras isso será um fator diametralmente negativo. No final, depende do gosto pessoal.

Aquiles em Fobia - St. Dinfna Hotel

Vale a Pena?

Fobia – St. Dinfna Hotel é um ótimo survival horror, e mesmo que o “survival” e o “horror” sejam seus pontos mais fracos, os outros pilares do gênero, como a exploração instigante e os quebra-cabeças interessantes e desafiadores, são nada menos que excepcionais, principalmente por conta do uso da câmera que alterna entre realidades.

Existe uma pequena quebra de ritmo no terço final do game quando você assume o controle de outro personagem, mas, esse é um momento necessário para o desenvolvimento da narrativa e amarração das pontas da história. Não entrarei em detalhes para conservar a surpresa, contudo minha única crítica a essa parte é que ela poderia ser um pouco mais direta ou resumida.

O inimigo padrão de Fobia - St. Dinfna Hotel

Os gráficos são muito bonitos, não devendo nada a jogos do gênero com orçamentos maiores, e a atenção e nível de detalhe de alguns objetos impressiona, principalmente levando em consideração o tamanho do estúdio e a quantidade de pessoas envolvidas no projeto.

O Hotel lembra o estilo neoclássico e a arquitetura eclética da Mansão Spencer e da Delegacia de Polícia, da franquia Resident Evil, com toques do Hotel Overlook, de O Iluminado, o que, na minha opinião, foram escolhas de design acertadíssimas.

Outra escolha acertada foi lançar o jogo com dublagens e legendas em português e em inglês, assim ele se torna um produto global, mas sem perder o apelo local.

A escolha é uma ilusão

Assim como comentei sobre Dolmen, outro game nacional sobre o qual pude escrever recentemente, Fobia – St. Dinfna Hotel é um passo importante para a indústria brasileira de desenvolvimento por apostar em uma fórmula diferente do pixel-centrismo a que estamos acostumados, e do qual já somos referência mundial.

Com tudo isso em mente, fica aqui a minha recomendação para quem gosta de jogos do gênero e até mesmo para quem não é tão fã de horror ou terror e quer jogar algo não tão apavorante, com uma história intrigante e quebra-cabeças de quebrar a cabeça mesmo.


Dica do analista: escolha o final ruim (você vai saber qual), ele explica muito mais sobre a história do que o final bom, e é bem mais interessante.

Final ruim em Fobia - St. Dinfna Hotel

A análise de Fobia – St. Dinfna Hotel foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para , Xbox One, e .

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.