Análise Narita Boy (PlayStation 4)

Narita Boy mistura metroivania com todas as referências culturais possíveis da década de 1980. O visual exuberante e um gameplay competente são o ponto forte desse excelente jogo independente.

tela título do jogo Narita Boy

Lembra de quando a gente conversou aqui sobre nostalgia? Aquele desejo de reviver uma época do passado glorioso que não volta mais? Na verdade não foi bem uma conversa, mas eu gosto de pensar que foi sim. Pois bem, para abertura dessa análise de Narita Boy, cabe repetir tudo aquilo e acrescentar algo sobre a natureza cíclica das estéticas que permeiam a cultura, afinal o revival dos anos 1980 está aí na nossa face para não me deixar mentir. Em 2021, música, filmes e videogames estão impregnados pelo neon e sintetizadores, próprios desse período em que achávamos que a tecnologia salvaria a humanidade da ruína.

Narita Boy recebe a techno sword
A Techno Sword é basicamente um sabre de luz, só que mais legal.

Narita Boy busca trazer o máximo de referências possível desse período, e consegue fazê-lo com maestria, sem perder o foco do que é importante. Mas o jogo desenvolvido pelos espanhóis do Studio Koba e publicado pela Team17 tem seus problemas.

Pelos poderes do Tricroma

O Reino Digital está em perigo e somente Narita Boy, filho do Tricroma pode salvá-lo. A narrativa de Narita Boy segue um padrão clássico de filmes de aventura com um escolhido que deve derrotar um super vilão. Para isso devemos encontrar e liberar o caminho de três grandes reinos, representados pelas cores Amarelo, Azul e Vermelho para, enfim derrotarmos “Him”, nosso nêmesis.

Para cumprir a tarefa, Narita Boy conta com a Techno-Sword, uma espada especial que não por acaso lembra muito um sabre de luz. O gameplay consiste em atacar os inimigos corpo-a-corpo ou à distância, usando a espada como se fosse uma arma. Também podemos desviar dos ataques dos inimigos usando um movimento de impulso (dash). As mecânicas de combate podem ser ampliadas com melhorias (power-ups) que são encontradas à medida em que exploramos os cenários, bem ao estilo metroivania. Quanto à movimentação em geral, podemos pular e agarrar em pontos específicos nas paredes para poder alcançar lugares mais altos e, em certos momentos do jogo, desbloqueamos montarias e outros “veículos” para auxiliar no avanço do jogo.

Narita Boy e o boss pirata secreto
Narita Boy tem váriso inimigos icônicos. O pirata é mais um deles.

Apesar do início lento, Narita Boy vai ganhando corpo à medida em que desbloqueamos as primeiras melhorias e a história vai ficando mais interessante, por assim dizer. O avanço é bastante linear, e confesso que gostei muito da abordagem dos desenvolvedores à estrutura metroidvania. Ao invés de ficarmos indo e voltando por cenários enormes procurando novos poderes ou chaves que nos possibilitam chagar ao próximo objetivo, os objetivos estão sempre próximos, conferindo uma fluidez muito bem-vinda e ajudando a manter um bom ritmo no gameplay, sempre garantindo a sensação de que estamos chegando mais próximo dos objetivos. A inclusão de sub-chefes nas fases também acontece de uma maneira orgânica e ajudam na criação do sentimento de superação.

Prepare sua televisão de tubo

Se você não percebeu pelas imagens e vídeos de divulgação, Narita Boy possui um filtro que simula uma televisão de tudo, comum nas décadas de 1980 e 1990, inclusive com um efeito de tela levemente curvada e efeitos de taxa de atualização que fazem as imagens pulsar na TV ou monitor. Como nem todo mundo tem essa curiosidade de saber como eram jogados os videogames há 25 anos atrás, o efeito pode ser desligado nas opções do jogo. No meu caso, deixei ligado para aproveitar melhor a atmosfera  gráfica proposta pelo jogo. E que atmosfera.

Narita Boy em frente à arvore sagrada
A pixel art de Narita Boy é exuberante!

O visual de Narita Boy é deslumbrante. A arte pixelada do jogo possui uma identidade visual própria e se beneficia da estética retro-futurista dos cenários e dos filtros sobrepostos, que dão um toque meio borrado às imagens. As animações dos personagens e inimigos é muito bem feita, até mesmo em ações que parecem acontecer em câmera lenta, que contam com vários frames para compor uma fluidez na movimentação. Os cenários são belíssimos, criando uma ambientação condizente com a proposta do jogo, tanto em sua essência tecnológica como na faceta mais existencial e religiosa.

A trilha sonora também é bacana. Como era de se esperar, traz toda a estética sonora própria da década de 1980, com muitos sintetizadores tanto para os momentos de exploração e combate. Deixo um destaque para os momentos mais calmos do jogo, quando Narita Boy explora as memórias do Criador. Esses momentos tem uma ambientação bem diferente das fases normais e a música cumpre um papel essencial em nos conectar com a melancolia presente nas cenas.

Narita Boy encontra um NPC
Os NPCs indicam o caminho a ser seguido e contam partes da história.

Os efeitos sonoros também são muito bons e cumprem o papel de costurar o gameplay com os gráficos exibidos na tela e certos elementos buscam trazer uma certa assinatura própria como com o “Rest In Force” que surge na tela cada vez que nosso herói cai em batalha. Uma dela de “Game Over” seria igualmente eficiente, mas o jogo parece querer deixar sua marca na nossa memória.

É o vilão quem faz o herói

Em termos de desafio, Narita Boy apresenta uma quebra de expectativas. Digo isso pois em geral jogos que buscam trazer elementos nostálgicos, também costumam exagerar na dificuldade para emular o desafio existente nos videogames antigos. No entanto, Narita Boy é um jogo de seu tempo e possui um forte componente narrativo, o que significa que a dificuldade do jogo é dosada na medida certa para não atrapalhar a história que está sendo contada. Em outras palavras, Narita Boy é um jogo relativamente fácil, mas isso não é algo ruim.

No começo do jogo, a exploração dos cenários assusta um pouco devido à ausência de um mapa, mas o desenho das fases é extremamente amigável e dificilmente ficamos perdidos tentando localizar a próxima chave ou o portão para ser aberto. Tudo está próximo  e bem conectado por caminhos interligados e fáceis de serem atravessados, fazendo com que a experiência do jogo seja linear e agradável. Os inimigos também possuem um grau de dificuldade moderado e, geralmente, não representam um obstáculo intransponível a nossa frente. Se por um lado a dificuldade moderada significa que progredimos de maneira tranquila no jogo, por outro, acarreta em um maior número de telas a serem ultrapassadas para criar a sensação de progressão, deixando o jogo ligeiramente mais longo do que deveria ser.

Narita Boy e seu robo gigante
Narita Boy e seu robô gigante!

Ainda que a dificuldade dos inimigos escale à medida em que avançamos, as melhorias de combate também são desbloqueadas de modo que para todo inimigo existe uma habilidade a ser utilizada e dificilmente o jogador ficará preso em algum cenário. Também existem pequenos quebra-cabeças em que devemos prestar atenção no cenário para encontrar símbolos que serão utilizados para destrancar portas. Interessante, mas bem simples de serem resolvidos e não comprometem ritmo do nosso avanço do jogo.

Tecno-baboseira

Nem tudo é neon em Narita Boy e o calcanhar de aquiles do jogo é a história. Veja, o enredo se resume em uma luta do bem contra o mal, bem simples e maniqueísta, pois Narita Boy precisa eliminar “Him”, o vilão que quer destruir o Reino Digital. Mas  a forma que essa narrativa foi construída é exageradamente enfadonha e prolixa. Inserir a história dentro de uma outra história, fazendo com que o Reino Digital exista em um console de videogame ficcional é algo interessante; criar um universo ali dentro com personagens e uma folclore para cada localidade e personagem também é bacana. Mas é muito desnecessário contar essa história misturando clichês de fantasia medieval com jargões de programação. Cada diálogo, ao invés de ampliar a conexão que temos com os personagens, engajando-nos nos acontecimentos mostrados, faz exatamente o oposto e acaba alienando o jogador com exposições longas, dignas de Matrix Reloaded.

A parte mais interessante na narrativa são as memórias do Criador (que concebeu o console Narita One e seu mascote), onde podemos reviver eventos da infância dele e os eventos que o marcaram, mas fora isso, quase todo o resto é descartável.

O Tricroma é forte em Narita Boy

No fim das contas, Narita Boy é um excelente jogo. Apesar da exposição da história não ser tão legal, o resto do pacote compensa em muito esse problema. O gameplay é muito bom e o combate bem divertido. O apuro visual do jogo é incrível e traz uma pixel art belíssima que além de destacá-lo dos demais, eu acredito, pode inspirar outros jogos no futuro. A linearidade com a qual a campanha se desenvolve e a leveza da estrutura metroidvania são muito bem-vindas para trazer a sensação de progressão ao jogador. Narita Boy propõe uma ótima experiência nostálgica e entrega o resultado com maestria.

Narita Boy foi desenvolvido pelo Studio Koba e lançado pela Team17 para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC e Mac.

A análise foi feita com base em uma cópia digital de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.

Tiago Matias Escobar
Metaleiro não uniformizado. Cerveja, pizza, games e viagens ocasionais.