Análise Paradise Lost (PS4)

Paradise Lost aposta em uma jogabilidade básica, mas sua história é tão interessante que faz a experiência final valer a pena.

Paradise Lost PS4

Desde que a Segunda Guerra Mundial acabou várias mídias abordaram finais alternativos para o conflito, indo de obras mais sérias como Man in the High Castle, livro de Philip K. Dick, transformado em série pela Amazon, até filmes satíricos e bem-humorados como Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino, passando, claro, por jogos como We Happy Few e todos os games da série Wolfenstein.

Paradise Lost bebe da mesma fonte de inspiração, e vai além, ao construir uma narrativa vista através de um prisma diferente, ao imaginar que a Guerra durou até os anos 60, e teve um final ainda mais nefasto. Na história imaginada pela desenvolvedora polonesa PolyAmorous e publicada pela All in! Games, o combate só teve fim quando a Alemanha nazista lançou um ataque atômico contra toda a Europa, devastando a região.

Mas esse não foi um ato de desespero de quem estava perdendo a Guerra, e sim algo planejado por anos pelo alto-comando de guerra germânico. O objetivo era destruir o continente e dizimar a população, enquanto escolhidos pelo Gabinete de Política Racial se refugiariam em um conjunto de bunkers no subsolo.

Quando os níveis de radiação na superfície baixassem, seria possível reconstruir a sociedade baseada nos valores que os nazistas consideravam puros e implementar o Reich de Mil Anos, como lê-se em um dos textos encontrados no game, onde a degradação do mundo exterior não poderia alcançá-los, segundo ele.

Tecnologia em Paradise Lost
A tecnologia do bunker é avançada, mas ao mesmo tempo antiquada, quase steampunk

Obviamente, assim como em nossa realidade, essa superioridade ariana não passa de uma fantasia cruel criada para que homens pequenos se sentissem grandes, mas que mesmo assim conseguiu enganar e ainda engana muita gente hoje em dia, infelizmente.

E em Paradise Lost isso é apresentado de uma forma muito inventiva. Existe uma construção e desconstrução muito interessantes, que relacionam essa crença na pureza de raça aos mitos atlantes e ao reino de Shambhala, povos avançados de quem os alemães descenderiam, segundo mentiras criadas pelos próprios nazistas.

A construção desse mito fica nítida nas influências sob os hábitos, organização social e a própria arquitetura nos bunkers. Já a desconstrução a que me referi, é apresentada quando, apesar de toda essa grandiosidade, você se dá conta de que está explorando um desses abrigos já deserto e decadente, testemunha de uma tentativa de construção social que falhou, assim como os ideais dos nazistas por trás delas.

Construções em Paradise Lost
As construções são imponentes, apesar de estarem em ruínas

Inocência perdida

É ainda mais impactante explorar esse cenário e ter contato com essa narrativa através do olhar do seu personagem: uma criança, alheia a esse mundo de preconceito e fanatismo. Szymon, é um garoto de doze anos que se aventura em um desses abrigos para tentar encontrar uma pessoa que está na única foto que sua mãe guarda a sete-chaves, escondida de você inclusive.

Talvez ao encontrar esse homem, que pode ser seu pai, seria possível obter respostas para questões que sua mãe nunca quis que você ao menos perguntasse, ou mesmo descobrir quem você é, e qual o seu lugar no mundo. Szymon parte nessa jornada solitária logo após perder a sua mãe, e durante essa descida ao inferno, ele passará pelos cinco estágios do luto, que inclusive nomeiam os capítulos do game.

Os grandes chamarizes de Paradise Lost são a sua narrativa e a sua construção de mundo. E ambas dependem quase exclusivamente do interesse do jogador em explorar esses pontos. Boa parte das 5 ou 6 horas de duração do jogo serão gastas lendo documentos para reconstruir a história e desvendar o que aconteceu nesse local, o porquê de tudo ter sido abandonado e o que aconteceu aos seus moradores. A outra parte será admirando o mundo criado pelos desenvolvedores.

Foto interna do bunker
Encontre o local da foto e talvez você encontre o homem presente nela

Durante a descida ao subterrâneo foi impossível não lembrar da primeira vez que vi cidade de Rapture, em Bioshock. E assim com a cidade de Andrew Ryan, o abrigo nazista tem uma estrutura megalomaníaca, misteriosa e, por fim, decadente. A tecnologia que permitiu a construção e operação desse bunker por anos, principalmente, considerando a época, é avançada e, ao mesmo tempo de certa forma arcaica, quase steampunk.

Inclusive, durante alguns momentos o game assume características de ficção científica, em que Szymon pode reviver eventos passados dos moradores do abrigo e fazer escolhas morais através dos computadores da estrutura, o que teoricamente alteraria como as coisas aconteceram. Infelizmente, o game não avança esse ponto e a impressão que fica é que essas escolhas são uma espécie de teste de caráter para Szymon, já que elas não tem impacto em como a história se desenvolve. O dilema real é reservado apenas para o trecho final, onde a sua escolha vai afetar qual será o final do game.

A jogabilidade é bem simples, mesmo para o gênero Adventure, ou Walking Simulator, como jogos do estilo estão sendo classificados atualmente, alguns inclusive de forma pejorativa. O gameplay em sua maior parte consiste em andar, ler, andar mais e ler mais. Existem ações ativas, como encontrar uma peça para um mecanismo ou controlar um determinado sistema para abrir uma porta, mas no geral faz falta os quebra-cabeças, tão característicos desse gênero.

Computadores em Paradise Lost
Existe uma atmosfera sci-fi quando é possível utilizar os computadores do bunker

Vale a pena?

A história e a ambientação fazem dele uma obra muito interessante narrativamente. Os gráficos são bonitos para um título desse porte e cumprem bem o papel de apresentar a atmosfera desoladora que a história pede. Já em matéria de jogabilidade ele faz o básico do básico, e, com certeza, esse não é o seu ponto forte.

Mesmo tendo uma duração curta, Paradise Lost sofre com falta de mudança no seu ritmo, o que poderia deixar ele mais dinâmico e interessante para um público maior, como o que foi feito no maravilhoso What Remains of Edith Finch, por exemplo. A movimentação lenta de Szymon não ajuda nesse ponto e, apesar disso ser uma escolha de design consciente, para envolver o jogador nesse mundo e para que ele observe cada detalhe, em alguns momentos fica a impressão de que essa é uma decisão que tenta mascarar e alongar a duração do título.

Por tratar um tema sensível de maneira séria, mesmo que em uma realidade alternativa, é possível que os documentos que retratam, de forma clara e aberta, a visão cruel que os nazistas tinham em relação à humanidade incomodem muitas pessoas em diferentes graus.

Por outro lado, quem é fã de história, mesmo que aqui ela seja permeada por uma boa dose de ficção, Paradise Lost é um título com potencial de agradar bastante, principalmente quem já é fã de games focados em narrativa ou gosta de walking sims, e quer algo novo para jogar.

Misticismo e lendas eslávicas
Existe um quê de misticismo também que permeia Paradise Lost

A análise de Paradise Lost foi escrita com base em uma cópia de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.