Análise We Happy Few (PS4)

Embarque em uma jornada cheia de mistérios e questionamentos filosóficos nesse jogo de aventura em primeira pessoa, publicado pela Gearbox.

Imagine poder viver sem frustrações, sem aborrecimentos, sem tristeza e sem passado. Imagine que todos os seus problemas são resolvidos com uma pequena dose de um poderoso remédio. Agora imagine uma cidade inteira amortecida, fingindo que os problemas e os erros do passado não existem. Parece a receita do sucesso, náo? Isso é We Happy Few.

FELIZ É O PAÍS SEM UM PASSADO

Dividido em 3 atos, com um protagonista distinto em cada, We Happy Few é um jogo peculiar. As histórias contadas gravitam em torno de moradores da cidade de Wellington Wells, na Inglaterra durante os anos 1960 e o uso geral e normalizado de uma droga chamada “Alegria” (Joy, em inglês). Logo no início somos introduzidos à distopia em que o jogo é ambientado, com o primeiro protagonista, Arthur, trabalhando como censor em um jornal, escolhendo quais as matérias irão para a versão impressa e quais serão excluídas a fim de não causar desconforto nos leitores.

Tudo começa quando Arthur se vê confrontado por uma memória desagradável e o jogo nos entrega uma escolha: tomar uma dose de Alegria e permanecer no País das Maravilhas ou, não tomar e ver até onde a vai a toca do coelho.

São a escolha e a tentativa de fuga da estrutura de sociedade de Wellington Wells que irão permear todas as histórias contadas em We Happy Few, bem como a descoberta de mistérios do passado (incluindo um evento terrível, ocorrido na 2a Guerra Mundial), até então escondidos pela perda de memória da população, consequência do uso contínuo de “Alegria”. 

FELICIDADE É UMA ARMA QUENTE

Para completar os objetivos dos personagens, We Happy Few apresenta  um gameplay singelo, mas com mecânicas interessantes sobretudo no gerenciamento de itens e inventário. Valendo-nos da perspectiva em primeira pessoa, devemos nos esgueirar pelos caminhos a fim de não alertar inimigos, que podem ser guardas ou qualquer pessoa que nos veja como diferente, afinal em um mundo onde todos decidem esconder frustrações e desagrados por trás de um sorriso artificial, nada mais incômodo para os outros do que ver alguém fora do padrão. 

Para auxiliar no combate, temos armas para ataque corpo-a-corpo, como pás, barras de ferro, machados, pedaço de pau (também conhecido como a arma do diálogo), entre outros Também estão disponíveis armas para ataque à distância, como pedras, tijolos, dardos e garrafas. Fica claro o incentivo aos jogadores para evitar lutas e assim, o jogo possui elementos simples de furtividade, com indicadores de campo de visão dos inimigos e se algum deles foi alertado. 

Embora o jogo nos dê a possibilidade de entrar em combate, é impossível deixar de ressaltar que esse não é o ponto forte de We Happy Few, sendo mais interessante evitar quando possível, inclusive porque a própria mecânica de luta não é muito boa.

Vale mencionar a igualmente simples progressão dos personagens, com ganho de pontos de experiência e melhoria de atributos e habilidades, típica de RPGs. 

O MUNDO É UM PALCO E SOMOS APENAS ATORES

Além do combate, We Happy Few apresenta um leve sistema de coleta de recursos e criação de itens que vão desde uma gazua para abrir portas até remédios para cura de doenças. Embora a quantidade de recursos seja grande, criar um novo item é algo simples, exigindo apenas o aperto de um botão. Mas o detalhe que mais me chamou a atenção foi a criação de roupas e disfarces para que os protagonistas não sejam hostilizados pelos habitantes das diferentes áreas de Wellington Wells, como por exemplo rasgar as próprias vestes para ficar à vontade junto às pessoas que foram expulsas da cidade. 

O que mais chama a atenção em We Happy Few é o intrincado funcionamento da sociedade, baseado na negação de traumas e eventos negativos, inclusive não permitindo que pessoas que deixaram de tomar sua dose diária de “Alegria” (ou nas quais a droga deixou de fazer efeito) convivam de forma igualitária em Wellington Wells.

No entanto, embora a vida pregressa dos personagens e a história da cidade sejam encobertos por mistérios que cabe ao jogador descobrir, os detalhes dessa distopia são demasiadamente explícitos, retirando muito do impacto que poderia ter; afinal a realidade alternativa onde todos são felizes e a vida real, sofrida, é varrida para debaixo do tapete já foi bastante visitada, seja no cinema, livros ou mesmo vídeo games.  

BRILHE, SEU DIAMANTE LOUCO!

Visualmente, We Happy Few não me agradou. Usando o motor gráfico Unreal, o jogo possui uma direção de arte bastante própria, garantindo uma identidade única. Agora, se essa direção de arte é boa ou não, fica a critério daqueles que jogarem. Na minha experiência, me agradou muito a construção de ambientes externos, com a construção visual daquele universo, sobretudo em relação aos eventos ocorridos durante a 2a Guerra Mundial, onde, na realidade alternativa proposta pelo jogo, a Grã Bretanha foi invadida pela Alemanha.

Mas os bons aspectos visuais na construção das áreas não encontram eco nos modelos de personagens e NPCs que são bastante estranhos. Os gráficos propriamente ditos, parecem dignos de um PlayStation 3 e tenho a impressão de que o jogo poderia ter sido melhor implementado na versão para console, pois sofre com bugs e carregamentos incrivelmente longos. 

No fim das contas, We Happy Few é uma joia que não foi lapidada. A premissa é muito interessante e as histórias contadas também. Todavia, o melhor do jogo está escondido embaixo de um gameplay demasiadamente singelo e um visual que poderia ser muito melhor para um jogo originalmente lançado em 2018. 

Recomendo somente em uma excelente promoção e se você estiver com o backlog em dia.

Tiago Matias Escobar
Metaleiro não uniformizado. Cerveja, pizza, games e viagens ocasionais.