Análise Tormented Souls (PS4 e PS5)

Tormented Souls se destaca por sua ótima homenagem aos clássicos do survival horror, mas falta polimento em alguns pontos.

Tormented Spuls Review

Em 1981, dois estudantes japoneses, Akira Takiguchi e Masakuni Mitsuhashi, desenvolveram o que pode ser considerado o primeiro jogo de survival horror: AX-2 Uchuu Yusousen Nostromo, ou, simplesmente, Nostromo, para os computadores PET da Commodore.

Apesar de já existirem games de terror, como Haunted House (1972), Nostromo, por mais primitivo que pareça para padrões atuais, foi o primeiro a incorporar alguns dos conceitos do que viria a se tornar uma ramificação do gênero de horror. O título era inspirado no filme Alien, O Oitavo Passageiro, e nele o jogador precisava coletar recursos e itens específicos para escapar de uma nave invadida por um perseguidor alienígena implacável.

Poucos anos depois, três jogos formaram a trindade do que realmente definiria as bases do survival horror como conhecemos hoje: Sweet Home (1989), da Capcom; Alone In The Dark (1992), da Infogrames/Atari e Clock Tower (1995), da Human Entertainment.

Tormented Souls

Sweet Home trouxe para a equação a essencialidade do gerenciamento de recursos para que seus personagens sobrevivessem, e introduziu a narrativa contada através de anotações ou pistas espalhadas pelo cenário. Além de ter servido como fundamento e sinal verde dentro da Capcom para a criação da série Resident Evil anos depois. Pouca coisa.

Por sua vez, Alone In The Dark introduziu, importado dos adventures point and click, mecânicas como resolução de quebra-cabeças, locais acessíveis apenas com uma chave ou item específico, o que incentivava mais a exploração e o backtracking, além de ângulos de câmera fixos em determinados pontos que mudavam a perspectiva dependendo da movimentação do jogador, e que seria a base para as câmeras dos primeiros jogos das franquias Resident Evil e Silent Hill.

Clock Tower, apesar de incorporar alguns desses elementos, apostava no medo baseado na fragilidade dos protagonistas. Não era possível enfrentar as ameaças sobrenaturais do jogo, apenas fugir, se esconder e esperar que o Scissorman não te encontrasse e fizesse picadinho de pixel de você.

E por que é importante fazer essa viagem ao passado?

Sala de save

Porque Tormented Souls bebe de todas essas fontes e constrói uma homenagem a todos esses clássicos, particularmente os primeiros Resident Evil e o primeiro Silent Hill. E faz isso de uma forma muito competente em quase todos seus pontos.

Desenvolvido pela Dual Effect em parceria com os chilenos da Abstract Digital e publicado pela PQube Limited, Tormented Souls é um brinde à nostalgia. Se você é fã de movimentação tanque (existe a opção de usar o analógico também), resolução de puzzles elaborados, perspectivas de câmera fixa cinematográficas, atmosfera opressora e uma história intrigante, mas ao mesmo tempo é galhofa (no bom sentido), esse é o jogo perfeito para você.

A história acompanha Caroline Walker, uma jovem que recebe uma carta misteriosa do Hospital Wildberg e passa a ter pesadelos com o local e resolve, como todo bom protagonista de um game do estilo, ir até lá investigar por conta própria. Afinal, o que pode dar errado, não é mesmo!?

É uma narrativa manjada e já nos primeiros minutos é possível prever para onde essa história vai, mas o que me cativou neste caso foi a jornada. Descobrir os porquês dos eventos através dos diários de vários ex-habitantes do Hospital é realmente interessante, e mesmo que o plot seja manjado, ele reservou algumas surpresas que achei muito bem-vindas, e que, claro, não revelarei para não estragar a sua diversão.

Padre em Tormented Souls

Um dos pontos centrais em que um bom jogo de terror tem de focar é na sua ambientação, e a de Tormented Souls é sensacional. A Mansão, que depois se tornou o Hospital Wildberg, tem um design vitoriano incrível, com cenários muito bonitos e uma decoração peculiar que mistura estátuas de mármore, equipamentos médicos e pinturas renascentistas que ajuda a dar o tom sombrio do lugar e criar uma atmosfera tensa que reserva alguns sustos ocasionais.

E por falar nisso, essa é outra característica positiva: ele não cai na armadilha de se fundamentar em jump scares excessivos, o que valoriza quando eles acontecem. Muitos jogos de horror se apoiam nessa muleta com tanta frequência que você só espera o próximo acontecer, sem a aflição ou empolgação iniciais. Ajuda também o fato de Tormented Souls não ser assustador de verdade, então esses pequenos momentos de sustos surpresa ajudam a dar uma acelerada de leve no coração e manter o clima.

A forma com que o game lida com a escuridão também é um ponto alto. Ao ficar no escuro Caroline fica petrificada, não consegue usar armas, itens de cura ou se movimentar e morre depois de alguns segundos. É preciso usar o seu isqueiro para que as coisas voltem “ao normal”, procurar interruptores ou acender velas para clarear o ambiente e assim poder realizar as outras ações.

Contudo, enquanto estiver usando o isqueiro não é possível usar nenhuma arma, todas exigem que ela as utilize com as duas mãos. Isso cria uma dinâmica interessante em que é preciso encontrar outra fonte de luz que te possibilite desequipar ele e pegar sua arma.

Estátuas Tormented Souls

Outro destaque imenso do game são os seus quebra-cabeças. Eles começam com ações simples, como ligue um gerador para destravar uma porta, até outros que envolvem várias etapas e são mais elaborados, como uma mecânica que envolve linhas do tempo alternativas para acessar determinados itens ou mudar ações no passado que vão impactar na sua linha do tempo no presente.

Um pequeno problema quando esses quebra-cabeças começam a se acumular é que não existe um marcador de missão ou de ações. Então algumas vezes, ainda mais com puzzles que envolvam várias etapas, é fácil se perder no que fazer ou lembrar em qual local voltar após encontrar um item que resolveria um desses enigmas.

Além da ambientação e dos quebra-cabeças, outro ponto positivo fica para a câmera dinâmica que assim como nos jogos clássicos da série Resident Evil acompanham o personagem e mudam o corte dependendo da direção da sua movimentação. Dou destaque para esse ponto porque essas mudanças de ângulo foram feitas com maestria, e de uma forma mais moderna e cinematográfica aqui.

Esses cortes são usados tanto para revelar pontos de interesse que talvez passariam despercebidos, ou ocultar perigos e criar situações que surpreendam o jogador e requeiram raciocínio rápido. Quando isso acontece, a alternativa é se basear no som para tentar ficar um passo a frente dos monstros no cenário, mas mesmo ele pode enganar para te tirar da zona de conforto.

Tormented Souls

Por exemplo, quando a trilha sonora começava a ficar mais acelerada eu sabia que aquele cenário teria inimigos, e se ela fosse ainda mais pesada os inimigos seriam mais fortes. Contudo, em diversos momentos a música ficava tensa e não era nada. Uma forma inteligente de acrescentar um elemento de imprevisibilidade. Os únicos lugares onde a melodia sempre transmitia segurança eram nas salas para salvar o progresso.

E por falar em saves, é preciso uma fita magnética para salvar, e meu conselho é: use com sabedoria. Apesar de a partir da metade do jogo você encontrar uma quantidade razoável em lugares estratégicos, no início quando ainda está aprendendo a jogar, elas são relativamente raras e alguns combates podem custar um bom tempo de progresso se você não fizer um gerenciamento de seus recursos de munição ou injeções de saúde de forma eficiente durante o combate.

E é justamente no combate que Tormented Souls mais deixa a desejar. Não se trata de um combate difícil, pelo contrário, inclusive é possível evitar grande parte dos inimigos em alguns ambientes. O problema é que ele é desinteressante, com animações desengonçadas, previsível e em alguns momentos impreciso.

Combate

Diversas vezes levei danos bobos porque a distância de um golpe me enganava por conta de uma mudança da câmera ou mesmo pela animação de desvio que Caroline tem, mas que a deixa vulnerável e sem poder atirar por 1 ou 2 segundos, e que dependendo da situação ou da quantidade de inimigos pode custar alguns itens de cura ou mesmo sua vida.

Outros problemas, que considero menores, são referentes a determinadas facilidades de gameplay que não foram implementas aqui. Entendo que a intenção dos desenvolvedores era criar a experiência mais fiel aos clássicos, mas determinadas decisões de design são antiquadas a ponto de atrapalhar o ritmo da jogatina, como, por exemplo, não existir um acesso rápido ao mapa ou para alternar entre as armas.

É preciso abrir o inventário, que é dividido em três segmentos, escolher o correto, para aí sim conseguir olhar o mapa para no final das contas não entender onde está, já que além do Hospital ser um verdadeiro labirinto, o mapa não ajuda muito por ser extremamente básico e não contar com opções de marcação de itens, puzzles e afins. Felizmente o jogo pausa durante o gerenciamento do inventário, então não se preocupe se um monstro estiver colado na sua personagem, enquanto você troca de arma, por exemplo. Ele só vai te acertar assim que você sair do inventário.

Inventário

Entendo os motivos do porquê isso foi feito assim, mas nem por isso apreciei as decisões. Diferente da dublagem exagerada e canastrona, que gostei justamente por conta disso. É uma atuação propositalmente ruim para evocar uma nostalgia adormecida, como em um filme B de terror. O que configura mais uma homenagem, dentre muitas, que foi bem-sucedida.

No final das contas, apesar de não ser perfeito, Tormented Souls acerta muito mais do que erra e é um excelente survival horror para quem gosta da jogabilidade clássica dos primeiros expoentes do gênero e está com saudades de tomar uns sustos em uma Mansão abandonada por conta de decisões heroicas erradas.

Fica a dica: se você receber uma carta misteriosa na vida real pedindo para ir a um local ermo e macabro não vá investigar sozinho. Chame as autoridades.

Estátuas Anjos Gêmeos Tormented Souls

A análise de Tormented Souls foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para PC, Xbox One, Xbox Series S e X.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.