Análise Trek to Yomi (PS5)

Cinematográfico, desafiador e uma recomendação fácil, Trek to Yomi entrega uma experiência única, curta, mas poderosa.

Review Trek to Yomi

Movimento, atmosfera, relação entre mentor e aprendiz, um protagonista em busca de vingança ou redenção.

Esses quatro elementos são os pilares da obra cinematográfica do diretor Akira Kurosawa, um dos cineastas mais importantes da história do cinema mundial. Sidney Lumet, o diretor do excepcional Um Dia de Cão, uma vez disse que Kurosawa era para ele o Beethoven dos cineastas: alguém com um estilo tão reconhecível e impactante que seria impossível assistir um de seus filmes e não enxergar de imediato sua assinatura.

E, se, por um acaso, você nunca tenha assistido a nenhum dos seus filmes, com certeza teve contato com alguma obra diretamente influenciada por ele. Por um Punhado de Dólares, Blade Runner, Matrix, Sete Homens e Um Destino, Fuga de Nova York, Os Mercenários, Kill Bill, O Resgate do Soldado Ryan e Star Wars são apenas alguns exemplos que bebem da fonte do diretor, e que foram responsáveis por construir ou solidificar muitas carreiras em Hollywood.

Trek to Yomi Boss Fight

Com a evolução dos videogames como mídia, e como forma de arte, a influencia de Kurosawa transpôs a mídia cinematográfica em 2020 com o lançamento de Ghost of Tsushima, da Sucker Punch.

Os diretores são tão vocais e orgulhosos dessa influência que não é difícil encontrar entrevistas em que eles mencionem como usaram os filmes do cineasta como referencia para construir a sua narrativa, e aprender como “filmar” um combate com espadas. Além disso, o game conta também com o Modo Kurosawa, em que a paleta de cores é alterada para preto e branco, e efeitos como sombras, vento, fogo e chuva são intensificados para emular a assinatura característica do diretor: usar o ambiente para intensificar um sentimento do protagonista e acrescentar movimento às cenas.

Os Sete Samurais Trek to Yomi

Paralelo ao lançamento de Ghost of Tsushima, um desenvolvedor independente começaria a tirar do papel uma ideia antiga sobre um jogo que ele sonhava em fazer há anos.

O game contaria a história de um samurai, durante o Período Edo no Japão, que teria sua vida transformada pelo conflito. A história seria sobre perda, mas também sobre amor. Questionaria a honra e o dever quando não restasse nada além de frustração. E seriam as escolhas do jogador que transformariam esse caminho em uma estrada rumo a redenção ou uma caminhada marcada pela vingança.

A proposta era desenvolver um título mais intimista, cinematográfico e linear, fiel ao período histórico em que ele se passa, mas com grande influência do sobrenatural, lendas e folclore japonês. Uma jornada, literal, da terra ao inferno, totalmente influenciada pela arte monocromática do início da obra de Kurosawa.

Fase 2 Trek to Yomi

E, após quase dois anos de espera, Leonard Menchiari e o time da Flying Wild Hog conseguiram entregar, com publicação da Devolver Digital, uma verdadeira obra de arte em forma de jogo, chamado Trek to Yomi. E, embora o visual seja o primeiro chamariz para o game, ele não se limitou a escolha de um estilo artístico diferenciado. Ele é um pacote completo, mesmo dentro de sua simplicidade.

É bom ressaltar que a palavra simples não significa mal feito, muito pelo contrário, muitas vezes — como aqui — menos é mais. Ter a capacidade de condensar jogabilidade, arte, narrativa e criatividade em um produto de excelência é extremamente difícil, e essa parece ser uma qualidade que jogos com orçamentos maiores tem perdido ao longo do tempo por conta do retorno financeiro que precisam gerar. Lotar um game com mecânicas, missões secundárias e recompensas vazias não faz dele um grande jogo, apenas o transformam em um jogo grande.

Quando digo que Trek to Yomi é simples, quero dizer que ele é direto em tudo o que faz. E ele faz muito bem quase tudo que se propõem, muito por conta dessa abordagem simplificada.

Cinematografia de Trek to Yomi

O combate, por exemplo, segue um sistema de combos, mas é muito mais baseado em duas mecânicas simples: defesa e contra-ataque, o que incentiva a precisão e paciência. É preciso entender o momento certo de atacar e, principalmente, o momento certo de usar manobras defensivas, ou então a morte é certa. E, mesmo sendo um game desafiador nas dificuldades mais elevadas, ele oferece opções para o jogador que quiser ter uma experiência mais tranquila.

Três dificuldades estão liberadas assim que você começar: Kabuki, é o modo história, onde o desafio é baixo e a curva de aprendizado bem suave; Bushido é equivalente ao normal, nesse modo o jogador já terá um desafio considerável e precisa entender bem o ritmo do combate, mas o dano dos inimigos é menos severo; já a dificuldade Ronin é impiedosa, nela os inimigos tem mais vida, causam um dano maior, é necessário usar todos os recursos a sua disposição, ser paciente e dominar completamente o combate do jogo, já que qualquer erro custará a vida de Hiroki, o protagonista de Trek to Yomi.

Uma quarta dificuldade, Kensei, é liberada assim que terminar o game em qualquer uma das outras citadas acima. O modo Kensei é a dificuldade no estilo “um golpe, uma morte”, e nele qualquer inimigo — exceto os Chefes — é derrotado com um ataque. A contrapartida é que isso vale para o seu personagem também. Entretanto, o que não torna a dificuldade Kensei tão absurda assim, além do checkpoints serem bem generosos (em qualquer dificuldade), é o fato dos Chefes terem a mesma quantidade de vida do modo normal.

Boss fight

A progressão de Trek to Yomi foi muito bem desenvolvida para demonstrar a jornada de aprendizagem de Hiroki como um samurai. Você começa o jogo com apenas uma espada e alguns combos básicos, e a medida que avança novas mecânicas como armas de arremesso, arco, novos movimentos e arma de fogo são adicionados ao seu arsenal. Além disso, no decorrer de suas 7 fases, novos inimigos são introduzidos, desde adversários com armaduras, inimigos mais velozes, portanto armas de longo alcance, até seres sobrenaturais com movimentações mais difíceis de prever.

Como mencionado acima, o combate depende muito de tempo de ação e reação, e aprender o momento ideal para aparar um golpe, contra-atacar ou finalizar o inimigo é vital. Apesar de alguns combos serem lindos, Trek to Yomi não é de forma alguma um hack’n slash, e golpear sem piedade vai deixar o seu personagem exposto a golpes fatais.

Quem está acostumado com jogos do estilo souls-like entende muito bem como muitas vezes o gerenciamento da estamina é uma das mecânicas mais importantes e o que separa a vitória da derrota, e aqui isso não é diferente, visto que um medidor de Vigor controla o quanto você pode atacar e o quando é possível defender. Ser agressivo demais ou ficar na defensiva por muito tempo, absorvendo golpe atrás de golpe, vai minar seu Vigor até um estado de cansaço que deixa Hiroki frágil com possibilidade de receber dano aumentado.

Não se engane pelo estilo 2D do combate, ele ainda é uma dança em que ritmo e posicionamento são fatores cruciais.

Hordas de inimigos em Trek to Yomi

Trek to Yomi é um jogo relativamente curto, e pode ser completado com um tempo de 5-7 horas mais ou menos. Existem 3 finais/caminhos diferentes que o jogador pode escolher, o que garante um certo fator replay que pode estender essa duração. Obviamente, esse tempo dependerá da dificuldade escolhida, da habilidade do jogador e do quanto decidir explorar os cenários. E, fica a dica, exploração é uma parte que não deve ser deixada em segundo plano aqui.

Apesar das lutas serem desenvolvidas todas em um eixo 2D, da esquerda para direita e vice-versa, existe profundidade nos cenários e algumas áreas podem (e devem) ser exploradas, já que além de colecionáveis que contam mais sobre a cultura japonesa, muito interessantes, esses caminhos secundários escondem melhorias de vida, vigor, munição e pergaminhos com novos combos (habilidades) que facilitam muito os confrontos nas fases mais complicadas a partir da metade do título, onde Hiroki entrará na terra dos mortos, o Yomi, que dá nome ao jogo.

Quem se deixar enganar pela linearidade do título e explorar pouco terá uma jornada muito mais complicada, principalmente nos Chefes mais agressivos.

Combos em Trek to Yomi

Para complementar o combate e os visuais incríveis e detalhados de Trek to Yomi uma excelente trilha sonora não poderia faltar. E as músicas originais compostas por Cody Matthew Johnson e Yoko Honda conseguem elevar ainda mais o título. Utilizando técnicas antigas e modernas ele conseguiram criar uma atmosfera única para o game, mesclando e adicionando tensão aos combates, e uma beleza fantasmagórica à exploração. Mais detalhes sobre as técnicas usadas no desenvolvimento da música do jogo podem ser conferidos na entrevista que o músico concedeu à NME, clicando aqui.

Vale a pena?

Trek to Yomi é fantástico. Com sua arte maravilhosa, desafio na medida certa e duração ideal, ele é uma recomendação fácil caso você goste de combates cadenciados e jogos com temática oriental.

A dublagem em japonês é primorosa, e a entrega dos diálogos pelos atores transmite bem as emoções do que está sendo mostrado na tela. Quem gosta de animes talvez reconheça o trabalho dos dubladores do jogo, já que eles trabalharam em alguns dos queridinhos dos fãs como One Piece, Naruto: Shippuden, Ghost in the Shell, Paprika e The Rising Of The Shield Hero, dentre outros.

Combate

Contudo, apesar de ser um produto belíssimo, ele não está isento de críticas. Eu, particularmente, não gostei de duas coisas apenas, mas que valem ser mencionadas: as legendas e algumas escolhas de câmera. Por conta do estilo super cinematográfico, algumas cenas abusam um pouco da distância para contemplar a grandiosidade dos cenários. Nesses casos específicos, fica difícil enxergar o combate, principalmente para que joga a uma certa distância da TV. São casos isolados, mas que fazem diferença em um game em que a precisão é tão importante.

O outro ponto, referente as legendas, também tem relação com a escolha artística do título. Por ser um jogo em preto e branco, a escolha por uma legenda branca faz com que ela fique ilegível em algumas cenas muito iluminadas. Seria interessante que existisse a opção de mudar a cor delas para amarelo, por exemplo. E, mesmo que isso possa ser facilmente mudado através de uma atualização, essa funcionalidade não existe na data de lançamento de Trek to Yomi. Essas são críticas mínimas para um jogo tão incrível como esse, e que, na minha opinião, não estragam a experiência geral.

Aposto que se você der uma chance ao game não vai se arrepender, e aposto também que se Kurosawa estivesse vivo, ele estaria orgulhoso por ver seu legado transcendendo o cinema de uma forma tão competente como a feita em Trek to Yomi.

Cena Final

A análise de Trek to Yomi foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para PlayStation 4, Xbox One, Xbox Series e Microsoft Windows.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.