Entrevista traduzida de Hideo Kojima #HideoMusings

Leia a auto-entrevista traduzida que o diretor Hideo Kojima, de Metal Gear e Death Stranding, publicou no Twitter da Kojima Productions.

Hideo Kojima, criador e game designer veterano, está publicando na conta do Twitter da sua produtora (@KojiPro2015_EN) trechos de perguntas e respostas que estão sendo chamados de Hideo’s Musings ou “Pensamentos do Hideo” numa tradução aproximada.

O diretor de Death Stranding (leia a análise que publiquei quando o jogo saiu para o PlayStation 4) fala sobre o início da carreira, sobre medo de filmes de terror e como é possível prever o futuro, entre outras coisas.

Resolvi traduzir e colocar essa curiosa entrevista aqui disponível para os fãs brasileiros do criador da série Metal Gear Solid.

Essa página será atualizada assim que novas respostas surgirem no Twitter, então fique ligado!

Quais criadores e atores chamam sua atenção hoje?

Eu sigo vários atores. Fiquei de olho no Luca Marinelli recentemente depois de assistir “The Old Guard” e “Martin Eden”. Ele interpretou um vilão impressionante em “They Call Me Jeeg Robot”, mas eu acho que ele vai despontar em breve e a popularidade dele vai crescer. Também, eu acho que se ele usasse uma bandana iria ser a imagem cuspida do Solid Snake!

Sobre criadores, eu citaria o criador Islandês-Dinamarquês (residente em Berlim!) Olafur Eliasson. Tenho visto o trabalho dele em filmes e documentários, mas ainda não foi possível “experimentar” o trabalho dele ao vivo. É essencial que a arte dele seja experimentada. Inclusive, a mostra dele “Olafur Eliasson: Sometimes the river is the bridge” está sendo exibida no Museu de Arte Contemporânea de Tokio, e eu estou interessado de verdade.

Não somente em DEATH STRANDING, mas por todo os seus trabalhos, você inclui elementos apavorantes de suspense ou terror e cenas emotivas de fazer chorar. E por cima disso, você também incorpora a essência do humor, como fazer Sam tomar banho de chuveiro ou em águas termais – elementos que são implementados como parte natural do mundo do jogo, que não quebram a imersão. Você trata esses aspectos separadamente? Ou eles aparecem ao mesmo tempo na sua mente?

Claro, eu penso em todos esses aspectos ao mesmo tempo – tanto tramas sérias, cenas cotidianas, ou coisas que fazem rir. Mas acho que é algo que só é possível dentro da mídia dos videogames, comparando com algo como filmes ou televisão. Isso porque cenas que mostram ações como comer, dormir ou excreção não são essenciais. Quando muito, elas atrapalham já que a média dos filmes dura cerca de 2 horas e um episódio de séries de TV, 45 minutos. Esse limite de tempo exige que cada trabalho seja preenchido apenas com cenas vitais para o avanço da história. Então, esses criadores não estão focados em como a vida dessa pessoa é nas 24 horas do dia dela. Em vez disso, presume-se que os personagens dormem, comem ou usam o banheiro longe das câmeras. Claro que há cenas em que o personagem se levanta pela manhã ou vai dormir à noite, mas não uma demonstração completa. Demonstrações de personagens comendo são cortadas ao mínimo essencial e normalmente um diálogo chave entre os personagens é o foco da cena. Mas videogames, diferente de filmes, são uma mídia que o jogador experimenta em tempo real. É por isso que eu faço transições sem cortes entre cutscenes e gameplay sem afetar o curso do tempo. Em DEATH STRANDING, Sam come, bebe água e até se alivia algumas vezes. Ele também pode tomar um banho de chuveiro ou dar um bom mergulho nas águas termais e você pode fazê-lo ir dormir (claro, não é possível fazer sexo, mas há outros jogos por aí em que é possível). Tudo isso é baseado no que o jogador escolhe fazer. E você precisa incorporar esses elementos, ou então o jogo será um pouco estranho. Jogos são uma espécie de Realidade Virtual.

Qual foi o seu primeiro trabalho de meio período? Como esse trabalho ajuda no papel que você executa hoje? Além disso, você teve outros trabalhos (fora da indústria de jogos) e, caso tenha tido, de quais deles você se lembra mais?

Meu primeiro trabalho em meio período foi filmar vídeos para cerimônias de casamentos, que eu comecei logo depois do ensino médio (minha escola proibia estudantes de trabalhar meio período). Eu trabalhei nisso até me formar na universidade, então foram todos os fins de semana e todos os feriados durante 4 anos. Eu precisava usar terno e gravata o tempo todo, o que me deu um gostinho de como deveria ser um “assalariado” (trabalhador de escritório em tempo integral) mesmo que eu ainda fosse um estudante. Perto do final eu também me tornei um veterano e ensinava os novatos da equipe de vídeo sobre como filmar.

Eu também tive outros trabalhos, mas normalmente eu trabalhei em um lugar durante um bom tempo em vez de pular de uma coisa para outra. O que eu mais me lembro foi de trabalhar meio período como jardineiro nos feriados prolongados de primavera, verão e inverno na universidade. Era um trabalho até pesado fisicamente, mas eu tive muitas experiências interessantes. Eu aprendi não apenas a plantar, mas como planejar um jardim, onde colocar uma cerca de bambu, como organizar pedras… coisas que você nunca saberia a menos que trabalhasse com isso. Também, uma vez eu fui picado por pelo menos 10 abelhas de uma vez só, e em outra ocasião eu sofri envenenamento por verniz!

Além disso, meu chefe me ensinou a nunca recusar uma oferta de um cliente, ou convite para comer ou beber, já que era assim que você demonstraria respeito pela cortesia deles. Então eu me lembro de cair de uma árvore depois de beber a cerveja que me ofereceram, e outra vez eu tive que jogar fora a comida que eu tinha preparado em um dia que o cliente nos ofereceu um almoço. Tanto como cinematógrafo de casamentos ou como jardineiro, esses trabalhos de meio período me ensinaram o espírito da hospitalidade “omotenashi” – o espírito de como agradar clientes. Eu acho que esse espírito me ajuda na criação de jogos que eu faço hoje.

Tem sido dito que DEATH STRANDING praticamente previu a era atual de individualismo e desconexão causados pela pandemia global do corona vírus (ex.: distanciamento social e não poder se deslocar livremente). Você talvez não tenha previsto enquanto criava, mas algo similar aconteceu durante “MGS2” com os perigos da sociedade conectada pela internet e pós-verdade baseada em notícias falsas. Além disso, tudo isso foi previsto antes das redes sociais terem se popularizado. Como você dominou esse modo de prever tendências e eras futuras no mundo?

Eu acho que todo mundo pode prever facilmente o que vai acontecer amanhã, ou depois de amanhã, porque é a continuação direta de hoje. Mas quando isso vira 5, 10 anos para a frente, fica mais difícil. No meu caso, eu sempre tento acompanhar as últimas publicações e notícias científicas, notícias sociais, estruturas ou vida cotidiana e procurar por “sinais” que vão dizer que o mundo vai mudar amanhã, especialmente o estado-da-arte da tecnologia ou medicina, exploração espacial, robótica e pesquisa sobre inteligência artificial. A maioria das pesquisas nem devem ser tão conhecidas pelo público, mas é muito mais avançada do que imaginamos. Mesmo se certos estudos ainda não tiverem sido realizados, existe muita pesquisa que já possui entendimento firme dos conceitos necessários. Anteriormente eu fui convidado a visitar o laboratório de pesquisas de uma certa companhia e me senti como se estivesse em um mundo de ficção científica. Muitas “sementes” (sinais) do futuro podem ser encontradas pelo mundo se você os procurar de perto. Eu uso essas “sementes” como base e dou direção a elas, um empurrão. Para isso, você precisa da imaginação de um escritor de histórias.

Se uma certa invenção ou inovação fosse realizada, como ela afetaria nosso dia-a-dia? Desse modo, você faz previsões a partir das sementes e cria ficção. O escritor Michael Crichton leu notícias sobre um satélite caído, então expandiu sua imaginação para escrever “The Andromeda Strain”. Ou Sakyo Komatsu, que aprendeu sobre as mecânicas de convecção do manto da Terra, e então projetou sua teoria e números para o futuro e publicou “Japan Sinks”. Essas sementes do futuro estão se esgueirando nos movimentos e tendências do mundo – na tecnologia, nas descobertas, nas políticas. Coisas como terapia de genes, companhias de mercenários ou armas autônomas (drones), trajes exoesqueletos, impressoras 3D, tecnologia anti-idade, I.A. a fragmentação do mundo. Quando essas profecias caem na nossa vida cotidiana, nosso tempo é dramaticamente alterado. Por exemplo, 5G já é operacional em alguns lugares, embora ainda não esteja difundida. Um dia, nós iremos para o 6G ou 7G. Ou isso seria substituído por alguma outra nova tecnologia. Quando isso acontecer, como nossas vidas e estilos de vida serão afetados? Como irá afetar as escolas? Companhias? Casas? Campos de guerra? E que problemas vão ocorrer como resultado? Essa é a base de como eu formulo tramas. Não é algo difícil. No meu caso, não é uma previsão, mas apenas uma fantasia baseada em ciência e especulação. E como estamos vendo, eu tive uma bela chance de acertar.

Eu estou só fantasiando pela antecipação do futuro do entretenimento. Não sou um profeta.

Quando você começou a escrever histórias? Se lembra da primeira história que escreveu?

Eu comecei quando estava na quinta série. Eu fui fisgado lendo romances de mistério e pensava comigo, “Eu poderia escrever alguma coisa assim também!”. Então eu peguei e comprei um bloco de notas por impulso e comecei a escrever. Eu até desenhei a capa e a cobertura dela – tudo feito à mão.

A primeira história tinha um detetive particular como personagem principal. A história era sobre um incidente que acontecia durante uma grande festa cheia de celebridades e VIPs ligados a corporações. Mas eu não conseguia terminá-la e parei de escrever. Então no início do ensino médio, eu comecei a escrever literatura ou contos de ficção científica. Continuei praticando durante os anos de ensino médio e na faculdade. Nessa época eu não tinha computador ou qualquer processador de texto, então tudo era escrito à mão em papel de manuscritos japonês. Eu primeiro escrevia em um caderno, então revisava o trabalho antes de copiar no papel cuidadosamente.

Isso dito, como a minha letra não é muito boa havia muitas histórias que eu abandonava pela metade. Talvez se eu tivesse acesso a um computador como temos hoje, Eu teria terminado e publicado mais dessas histórias.

Você também é conhecido como um cinéfilo que assiste a pelo menos um filme por dia, mas em quais aspectos particulares você foca quando assiste a um filme? Existem gêneros de filmes com os quais você não se dá bem?

Considerando meu trabalho, eu provavelmente deveria assistir filmes a partir de um ponto de vista bem profissional, prestando atenção cuidadosa às atuações, técnicas, trabalho de câmera, iluminação etc. Mas na verdade, quando eu assisto a filmes, eu abordo o trabalho como um legítimo membro do público. Em outras palavras, eu desfruto o filme. Depois de assistir, primeiro eu processo tudo por mim mesmo, e então por vezes revisito as coisas que deixaram uma impressão forte pra mim: a história, atuação, trabalho de câmera, iluminação, edição, música… Seja o objetivo de uma cena longa, ou o uso inovador do som, ou qualquer outra coisa, eu com frequência retorno e fico pensando sobre as técnicas chave usadas num trabalho particular.

Sobre gêneros, Eu diria que não me dou bem com horror. Splatter, giallo, zumbi ou filmes de monstro são ok, mas eu não me dou bem com qualquer coisa sobrenatural em que fantasmas ou espíritos malignos aparecem, independentemente de serem filmes japoneses ou estrangeiros. Eu sou mais medroso do que a maioria das pessoas. Isso dito, não é que eu não os assista de jeito nenhum. Algumas vezes eu não consigo evitar e acabo assistindo.

Em comparação com outros autores de jogos, você parece manter contato com vários autores, incluindo (mas não somente) diretores de cinema. Como você chegou a conhecê-los? Sobre o que vocês conversam? Que tipo de coisas só é possível discutir com outros criadores?

Todos os dias, conforme eu absorvo mais e mais informação sobre o trabalho de cineastas, artistas visuais, músicos, autores ou escritores, autores de mangá, cartunistas e assim por diante, eu encontro autores cujo modo de se expressar me intrigam. A princípio eu amo o trabalho deles, e então eu começo a querer encontrá-los e conversar com eles. Acho que o sentimento é o mesmo para todo mundo. Graças às redes sociais, hoje em dia é muito mais fácil fazer conexões diretas. Quando eu posto algo que eu encontrei e gosto muito de um autor, fãs de ambos os lados irão conectar as nossas contas. Então seguimos um ao outro, enviamos mensagens diretas, trocamos informação de contato, e se possível, combinamos de nos encontrar pessoalmente também. Assim, a chance de fazer tal conexão cresceu muito. Se ambos respeitamos o outro como autor, e dá para dizer desde a hora em que nos encontramos, e sabemos isso mesmo sendo de países distintos, etnia ou mesmo idioma. Especialmente entre pessoas criativas, mesmo no primeiro encontro, ambas partes se sentirão como se conhecessem desde a infância.

Geralmente conversamos sobre os filmes que assistimos, livros que lemos, música que ouvimos e claro, sobre criação. Ou pode ser sobre o que estamos fazendo naquele momento, ou o que queremos fazer no futuro; em outras palavras, compartilhamos nossos sonhos. Naturalmente, isso também inclui discussão sobre a solidão e os problemas que só podem ser compreendidos por outros autores. É por isso que entendemos uns aos outros profundamente, mesmo se não nos encontrarmos com frequência. E quando nos despedimos, nós sempre dizemos: “Se tivermos chance, vamos fazer alguma coisa juntos!” – com um grande abraço.

Como você escolhe o que vai ler quando está em uma livraria?

Eu aprecio cada “encontro” com um livro. Claro, eu compro os livros escritos pelos meus autores preferidos ou partes de uma série que eu esteja lendo. Já que eu vou na livraria todos os dias (embora não recentemente, graças a situação do corona vírus). meus encontros são determinados caso eu esteja ou não atraído por um livro que eu encontre lá. Eu leio todos os tipos de gêneros (exceto manuais, eu não sou bom com esse tipo), então eu primeiro vou até a seção de novos lançamentos, daí eu sigo para a seção de cada autor onde eles normalmente têm uma mesa de demonstração dos livros em destaque com a capa à mostra. Eu olho romances e mangá, como esperado, e não-ficção e livros técnicos.

Livros de fato possuem “rostos” – seja na imagem da capa, no design, número de páginas, logo do título e disposição, autor, inserção promocional, editora ou tamanho e disposição do texto. Na livraria eu escolho a coisa que me chama atenção. Primeiras impressões são importantes. Eu sinto o livro nas mãos, leio a sinopse como se analisasse um currículo e então leio os comentários (evitando spoilers). Isso me ajuda a entender o pano de fundo do trabalho, o contexto. Então eu decido se vou ou não ler, do mesmo jeito que alguém decide se vai ou não chamar alguém por quem se está interessado para um encontro. No momento em que eu penso, “Okay, eu quero tentar um encontro com esse livro!”, inconscientemente eu já estou no caixa para comprar. Embora naturalmente, nesse momento eu não saiba dizer se o livro será bom ou não. Então, mesmo que às vezes eu escute a recomendação de alguém sobre um romance, eu não compro livros baseado em opiniões que leio online. Eu confio mais no instinto que eu tenho no primeiro encontro com um livro. Eu acredito que o refinamento desse método de escolha é um caminho que leva a mais encontros com bons livros.

Fale-nos sobre os encontros aos quais você foi quando ainda era estudante. Em que tipo de lugares você ia? Qual era o seu estilo para planejar encontros? Como você tratou o tão importante primeiro encontro?

Quando eu era estudante, iríamos ver um filme ou um show, ou talvez fôssemos a um parque de diversões, um zoológico (como no filme “Rocky”), uma pista de patinação, etc. A maioria perto de Osaka, Takarazuka, ou perto de Kobe. Às vezes, Kyoto. Mas todos ao longo da linha de trem Hakyu. Eu acho que planejar aquele primeiro encontro é até um pouco parecido com criar um jogo.

Jogos são planejados para “agradar” (leia o espírito “omotenashi” no Hideo Musings No.3 de 30 de julho) um número de usuários incerto, mas nos encontros o seu alvo está claramente especificado. E uma vez que você consegue ver as expressões dessa pessoa específica diretamente, não é tão difícil. No entanto, nos primeiros encontros você tem pouquíssima informação sobre a outra pessoa (não havia Instagram ou Facebook na época). Do que ela gosta? Do que desgosta? Onde devemos ir, e qual caminho devemos tomar para chegar lá? Qual a melhor hora para conduzi-la? O que devemos comer? (Antes de chamar alguém para um encontro, até certo ponto você primeiro precisa determinar quais são suas preferências.).

Também houve vezes em que eu observava caminhos possíveis antes da hora. E para garantir que eu poderia ajustar o cronograma dependendo de como estava o dia, eu tinha um plano-B além do meu plano A original. Pensando em retrospecto, eu estava essencialmente planejando um jogo, mas mirando em uma pessoa específica da vida real. Em outras palavras, isso significa que eu pratiquei game design desde os meus dias na escola.

Além disso, deve ter havido algumas alegrias ou desafios próprios daquela época, já que antes não existiam celulares ou cinemas estilo “cineplex” como existe hoje. Que conselho sobre encontros você daria para as gerações mais novas?

Nós não tínhamos nem celulares ou pagers na época, então a decisão de como nos encontrar era o mais importante. Depois de ter feito o compromisso do encontro, não havia como entrar em contato caso algo acontecesse. Então, havia casos de várias pessoas que ficavam esperando por horas. Além disso, já que você não podia saber antecipadamente se iria chover ou não, você tinha que ter certeza de encontrar m um lugar com teto. Eu não fazia isso pessoalmente, mas eu acho que muitos casais planejavam encontros em cafés, já que eles tinham linhas telefônicas (em vez disso, eu ia a um café depois do encontro). Naqueles dias da era Showa (1926~1989) sua única escolha era planejar no dia anterior ligando para o telefone nas casas uns dos outros. Você se comprometia, mas nunca sabia se a pessoa apareceria na hora. Na verdade, muitos programas de TV românticos da época (chamados “trendy dramas”) mostravam as complicações e desentendimentos que surgiam simplesmente da tentativa de encontrar.

Eu era uma pessoal bastante pontual por natureza, então eu nunca me atrasava para um encontro. Eu chegava cedo, observava o lugar, então passava o tempo na vizinhança antes de seguir para o local do encontro. Se tivéssemos marcado em Umeda, Osaka, provavelmente nos encontraríamos no “Bigman” (um ponto de encontros famoso). Eu chegaria um pouco cedo, gastaria tempo na livraria Kinokuniya, então iria até o “Big Man” bem na hora do encontro, como se eu tivesse acabado de chegar. Claro, também existe a chance de pegar alguém na casa com seu carro, mas marcar um ponto de encontro mostra o nível de confiança mútuo, bem como a personalidade de ambos – é muito mais dramático. Nosso encontro foi agradável e tranquilo? Esse é o primeiro passo no processo de encontros. Já houve até casais que terminaram por causa de um encontro mal executado. Eu encorajo os jovens a deixar seus celulares de lado e tentarem um “rendezvous” tradicional. Vocês poderão certamente perceber o nível de confiança e compromisso um do outro.

A indústria de jogos mudou dramaticamente na última década, mas você acha que ela tem um futuro brilhante pela frente? Que tipo de mudanças a indústria de jogos ou o entretenimento necessitam para continuar evoluindo?

Não importa em que mundo ou era o futuro traga, arte e entretenimento nunca desaparecerão. Olhando para os últimos 40 anos podemos ver que os jogos – do mesmo jeito que os filmes – se estabeleceram como uma mídia e não como uma moda passageira. Eu acredito que os jogos continuarão a abraçar campos mais diversos, se tornando mais entrelaçados à nossa rotina do que nunca, não mais limitados apenas aos “geeks” e “otaku”.

Algo que vale notar é como os jogos estão fazendo a transição para plataformas de streaming. Isso terá um impacto incrível no modo como jogamos, maior até mesmo do que as mudanças revolucionárias trazidas à indústria pelos consoles portáteis. Um exemplo, obstáculos aos jogos como a necessidade de hardware especializado irão desaparecer. Além disso, filmes e música irão acompanhar e tudo irá se encontrar no reino do streaming. A próxima era também irã permitir streaming de VR (realidade virtual) e AR (realidade aumentada). Eu imagino que é isso que o futuro do entretenimento e da arte, e por extensão, o futuro dos jogos, irá se tornar. Ou talvez eles não sejam mais chamados de “jogos”. Distinções entre o criador e o jogador também irão desaparecer. Pessoas que jogam irão se estabelecer no mundo dos jogos, que cria arte e entretenimento. Exemplo, o jogador se torna um participante ativo da arte. Assim, o criador e o jogador ficarão conectados. Um futuro brilhante como esse com certeza virá.

Hoje, muitas universidades e escolas por todo o mundo oferecem currículos baseados em torno do design de jogos. O que você acha que é a coisa mais importante para estudantes que ingressam nesses programas, ou para jovens que esperam entrar na indústria de jogos? Quais conselhos daria a eles?

Uma vez que jogos são uma mídia dependente da tecnologia, é importante acompanhar as últimas tendências de ciência e tecnologia. No entanto, é ainda mais crítico ter uma gama ampla de conhecimento e sensibilidade para coisas como filmes, música, literatura, teatro, pintura, escultura ou arte experimental. No futuro, jogos irão absorver todo tipo de arte, entretenimento de massa, educação e experiências simuladas, formando uma mídia de “Arte Compreensível” (um balé). É por isso que é tão imperativo aprender profundamente sobre o mundo quando se é jovem e absorver bastante inspiração. Não apenas isso , mas também é importante pensar fora da caixa em termos de regras e normas.

Jogos tem sido populares por 40 anos. Mesmo que eles tenham começado como uma mídia nova, hoje existe pelo menos uma espécie de “formato” que pode ser chamado de sistema implícito. Jovens não devem se limitar por esse “formato”, mas em vez disso, desmontá-lo usando a experiência citada obtida pela arte, pelo mundo, ou pelas próprias experiências. Por exemplo, pode haver um formato implícito para a duração de um filme, mas para jogos não existe um formato definido. Jogos lançados no passado não são respostas absolutas. Podemos aprender com eles, mas não precisamos segui-los.

Você é conhecido por ser um fã da música inglesa dos anos 80, mas existem outros gêneros musicais que você quer tentar escutar?

Na verdade, eu não sou tão versado em música clássica, já que eu escutei apenas de forma passiva em disciplinas escolares ou no dia-a-dia. Eu acho que quando era criança o único álbum clássico que eu comprei com meu próprio dinheiro foi “Os Planetas” do [Gustav] Holst (na verdade eu compro muita trilha sonora). Claro, eu conheço as obras primas famosas e históricas, e posso reconhecer os nomes dos compositores até certo ponto. Mas quando se trata de compositores específicos ou orquestras, eu estou longe de ser um expert.

Desse modo, eu não mergulhei de verdade no mundo da música clássica até agora. Seria vergonhoso que minha vida terminasse sem conhecer esse mundo historicamente rico, então eu acho que vou explorar e me familiarizar com mais música clássica.

Você disse anteriormente que os videogames não existiam quando você estava crescendo. O que as crianças faziam pra se divertir nessa época?

Infelizmente, videogames não existiam naquela época. Em vez disso, nós encontrávamos diversão em várias áreas diferentes. Se estivéssemos fora, brincávamos de esconde-esconde (talvez isso esteja refletido em Metal Gear?), pega, polícia e ladrão, luz vermelha luz verde, “Pena Capital” (você joga uma bola em um telhado e a pessoa cujo número for chamado tem que ir lá buscar) bola de gude, “Menko” (similar a tampas de garrafa, chamávamos de “pettan” em Kansai), e por aí vai. Eu me divertia muito brincando com crianças de outras vizinhanças. Diferentemente de um produto fabricado, não havia manuais ou livro de regras. Nossos amigos ou alguém da turma mais adiantada simplesmente nos ensinava como brincar. Tenho certeza de que havia muita variação dependendo de onde você morasse, já que cada área tinha suas próprias regras, ou as pessoas que você conseguia reunir eram diferentes, então ajustávamos as regras para manter um melhor equilíbrio. Alunos transferidos vindo de outras sempre ficavam confusos com essas diferenças.

Se estivéssemos em casa, jogávamos baralho, Shogi, Gomoku “sequência-de-cinco” (Gomoku tradicional era difícil demais), etc, usando vários equipamentos de verdade. Eu também gostava muito de jogos de tabuleiro como Banco Imobiliário ou Jogo da Vida tanto quanto brinquedos (eu gostava de jogos do tipo “batalha naval”, tanto aqueles com radares ou os que a gente lutava com bolas de metal). Eu ignorava os manuais desses jogos também e modificava a brincadeira para ficar como a gente preferisse. A gente não jogava nenhum jogo de cartas com as regras oficiais. Na época, era normal que a gente mudar as regras e otimizar a brincadeira inconscientemente. Às vezes eu até fazia meu próprio jogo de tabuleiro original desenhando ou rascunhando em papel ou blocos de nota, coisas como gamão ou jogos de guerra. Mesmo para jogar coisas como baseball, quando não tínhamos gente suficiente para montar um time inteiro, jogávamos ajustando as regras. Quando eu lembro disso agora, talvez isso signifique que eu estava imitando o processo de game design desde aqueles dias.

Desde muito novo você assistiu muitos filmes estrangeiros e leu muita literatura traduzida. Quando você era mais novo, que imagem que você tinha dos “EUA” e de outros países estrangeiros?

Quando eu era criança, durante o jardim de infância e na escola primária, eu era fascinado e admirava os Estados Unidos nos anos 60. Claro, eu nunca tinha ido aos EUA na época mas eu tinha alguma experiência virtual por assistir filmes, programas de TV e por ler romances. Eu aprendi todo tipo de detalhes como, diferentemente do Japão, existe o hábito de dar gorjetas, ou o fato de que os táxis eram amarelos, os acrônimos NYPD (Departamento de Polícia de Nova York) e SWAT (Armamentos e Táticas Especiais). Na época, muitos programas americanos passavam no Japão, dublados de um jeito um pouco descuidado. Eu costumava assistir seriados como “Bewitched” e “I dream of Jeannie” muito. Pode dizer que programas como “Bewitched” eram especiais para mim, já que eu aprendia sobre a vida diária da classe média americana. Como as casas Americanas, jardins, geladeiras e móveis eram grandes! Ou quando você vê que precisa trazer sua esposa para jantar contigo para terminar certo trabalho(!), um sistema; e outros costumes que eram diferentes daqueles do Japão durante o período do crescimento rápido na época. Naqueles dias, América era um lugar inacreditavelmente seguro para se morar, onde você sequer trancava sua casa e seu vizinho poderia andar pelo seu quintal de repente.

Eu também adorava programas de culinária, “The Galloping Gourmet”, apresentado por Graham Kerr. Assistir os chefs cria pratos enquanto bebiam vinho, eu pensava “A América é tão elegante!”. Assistindo Evel Knievel pular sobre caminhões enfileirados com a sua motocicleta, e assistir o primeiro homem na lua, eu tinha uma imagem forte dos americanos como ousados pioneiros e aventureiros destemidos quando eu era criança. Eu admirava um pouco a loucura da alegria imensurável do povo americano e disposição para encarar desafios novos e sem precedentes. E falando sobre a América, você precisa falar sobre o “Sonho Americano” naquela época, que era o sonho em que qualquer um com talento ou sorte possui o potencial para ter sucesso. No Japão daquela época, muitos jovens sonhadores iam para Tokyo, e depois de obter sucesso lá, eles iam para os EUA (ou fora do Japão) para competir no mundo de verdade.

A América que eu imaginava na infância, era um país livre que acolhia todo mundo. Eu mesmo decidi que viveria na América quando crescesse. No entanto, quando eu estava no ensino médio, meu interesse pela a Europa expandiu gradualmente, em parte por causa do meu interesse por música. Mas isso não significa que eu não gostasse da América.

Diego Matias
Além dos reviews, escrevo no Riffs & Solos e faço vídeos com meu irmão no canal SuperContra. Passa lá!