Análise Thymesia (PS5)

Thymesia faz um ótimo trabalho ao combinar elementos clássicos do gênero souls-like a uma jogabilidade agressiva e cheia de possibilidades.

Review Thymesia

Faz pouco mais de dez anos que a From Software lançou um RPG de ação com o singelo nome de Dark Souls, e depois dele a indústria dos videogames jamais foi a mesma. Seja para o bem ou para o mal.

E, embora a obra anterior do estúdio, Demon’s Souls, já tivesse as bases do que estabeleceria um gênero próprio, o souls-like, foi com Dark Souls que a empresa alcançou uma legião de admiradores — e alguns fanáticos também — e se tornou uma das desenvolvedoras mais influentes da última década.

Acha que estou exagerando? Então faça um exercício comigo.

De cabeça, quantos souls-like você se lembra nos últimos 5 anos? Muitos, não é mesmo!? Melhor ainda: quantos games com elementos souls-like você se recorda de ouvir sobre na imprensa especializada? Chutaria que incontáveis. Eu nunca parei para contar, mas joguei vários.

Até o ponto do termo dar a volta e se tornar piada, clickbait nas garras sedentas por SEO dessa mesma “imprensa especializada”, ou marketing para algumas desenvolvedoras — desde as bem intencionadas até as nada bem intencionadas. “Esse é o Dark Souls dos jogos de corrida”. “O Dark Souls dos jogos de estratégia”. “O Dark Souls dos reviews de Dark Souls”.

Thymesia boss fight

No tsunami de lançamentos de games do estilo que inundam as lojas digitais todos anos, vários se afogam, outros nadam e morrem na praia. Contudo, alguns conseguem surfar essa super onda. Thymesia, na minha opinião, se enquadra nesta última categoria.

Isso quer dizer que ele será um sucesso de vendas e amado por jogadores do mundo inteiro? Provavelmente não, por motivos que vão além do que o pequeno estúdio taiwanês OverBorder Studio será capaz de controlar, como um orçamento de marketing que alcance uma quantidade massiva de jogadores, por exemplo. Mas o game faz muito bem o seu trabalho. Muito bem mesmo.

Uma gaiola para um Corvus?

Mas, apesar de Dark Souls ter começado a tendência, Thymesia extrai suas maiores inspirações de outras dois titãs da From Software: Bloodborne e Sekiro: Shadows Die Twice. Inspirações que poderiam se tornar um peso insustentável para a maioria, mas felizmente esse não é o caso aqui.

Eu já falei que ele faz muito bem o seu trabalho? Pois é, ele faz.

Do primeiro ele herda o combate rápido, agressivo e o visual do personagem principal, Corvus, inspirado em uma das melhores personagens secundárias do horror lovecraftiano de Bloodborne: Eileen the Crow. Já de Sekiro, o game aproveita o combate baseado no conceito de uma barra de postura, que precisa ser quebrada para que Corvus possa infligir danos aos inimigos.

Primeira área de Thymesia

Funciona assim, e talvez seja um pouco confuso no começo: os inimigos de Thymesia tem duas barras de vida, uma branca e uma verde. A barra branca representa a vida total desse inimigo, e todos os ataque de Corvus causam danos a ela. Pense nela como uma espécie de escudo, que protege a verdadeira barra de vida — a verde.

O jogador precisa então drenar essa primeira barra para expor a segunda (verde) e aí sim causar danos permanentes aos inimigos. Quando as duas estiverem zeradas é possível finalizar o combate com uma execução.

Contudo, os danos causados a essa barra branca são temporários, e caso pare de atacar ela se regenera protegendo novamente o que o game chama de machucados. Isso incentiva o jogador a ter uma abordagem super agressiva, ou então lutas que poderiam ser rápidas se estenderão bastante. Bem ao estilo Sekiro, certo? Bom, não exatamente. E é aqui que as outras mecânicas em volta da jogabilidade de Thymesia começam a se destacar.

Corvus

Os golpes com o sabre de Corvus são excelentes para drenar esse “escudo”, mas são pouco efetivos para causar danos reais a vida dos inimigos. E, como discutido, você precisa causar danos constantes para vencer. Para isso o jogador tem em seu arsenal outra arma chamada Garra, e é com ela que você vai realmente machucar para valer quem estiver no seu caminho.

Um ponto importante que ainda não mencionei é o fato do game não contar com uma barra de estamina para limitar suas ações.

O que garante a cadência do combate é a alternância entre os ataques realizados com o sabre e a Garra. Ao não adotar o uso de estamina, barra de fadiga, ou o que o valha, e incentivar a agressividade acima de tudo, pode parecer em um primeiro momento que Thymesia se enquadraria na categoria de um proto hack’n slash, mas não.

Thymesia

O balanço do uso dessas duas armas faz, de certa forma, o papel que a estamina faria em um souls-like tradicional por assim dizer, porque ao usar a garra não é possível golpear com o sabre e vice-versa. Além dela ser mais lenta que os ataques super rápidos da arma principal. Assim, é preciso entender o momento certo de usá-la, tanto quanto seria preciso dosar a quantidade de ataques antes da sua estamina acabar em outros jogos do estilo.

Mas não para por aí. As diversas mecânicas de Thymesia funcionam em camadas, são bem implementadas e cheias de possibilidades.

A Garra, por exemplo, tem dupla função. Além do papel primordial ela também serve para “roubar” as Armas de Praga dos inimigos com seu ataque carregado, chamado Garra do Predador. E, dominar essa técnica é a grande diferença entre ser a presa nesse mundo, ou como o próprio nome dela deixa claro, o predador.

Garra do Predador em Thymesia

No universo de Thymesia, uma praga assolou o mundo e transformou as pessoas que não foram dizimadas por ela em monstros irracionais — um enredo manjado, mas efetivo. Para tentar conter a disseminação da doença, um esforço conjunto baseado na manipulação da alquimia foi criado. Mas, como o poder corrompe nem todo empenho para esse fim foi baseado em objetivos nobres, e compete a você trazer o balanço (ou não) para esse mundo.

E com sua a garra, Corvus pode absorver o poder alquímico das armas dos inimigos e usar um espectro dela contra eles. É uma mecânica simples, mas genial ao mesmo tempo e que cria toda uma nova dinâmica de jogabilidade baseada no risco/recompensa da própria ação.

Você não quer apenas derrotar o inimigo, você quer usar a arma dele para isso.

Biblioteca de Sangue em Thymesia

No decorrer do game você também liberará armas de praga que podem ser usadas a qualquer momento, gastando sua barra de mana. Já as absorvidas em combate podem ser utilizadas sem custo, com o porém de que serem de uso único, até serem absorvidas novamente. Podendo ser do mesmo inimigo ou de qualquer outro, incluindo Chefes.

O que torna essa mecânica interessante, assim como tudo em Thymesia, é como ela precisa ser estrategicamente bem calculada e usada no momento ideal. Corvus fica vulnerável enquanto carrega a garra para extrair esse poder dos inimigos, mas muitas vezes esse é o único caminho para vencer uma batalha já praticamente perdida.

A variedade impressiona, são ao todo 21 armas de praga e vale a pena experimentar todas para entender qual se encaixa no seu estilo. Inclusive, possibilidade seria uma excelente descrição para o jogo se eu precisasse definir ele com uma única palavra.

God of fools

Existe um Árvore de Talentos bem completa, com diversos caminhos para seguir e experimentar. Esses talentos equivalem as builds do jogo, e o mais legal é que você pode alternar entre eles sem custo nos postos de descanso.

Então se um estilo não estiver funcionando para um determinado cenário, é possível corrigir o curso das suas ações quase instantaneamente e tentar um novo. Isso me salvou em mais de uma ocasião.

Além disso, é possível evoluir as armas de praga com cristais deixados pelos inimigos, criar poções de cura com diferentes ingredientes que proporcionaram efeitos diversos, como aumento de vida temporariamente ou regeneração de mana, dentre outros.

Experimentar é a chave do sucesso. É necessário. Mas, acima de tudo, recompensador.

Menu Armas de Praga Thymesia

No quesito duração, Thymesia é relativamente curto. São apenas três áreas principais e uma final — que serve só como cenário para a luta final —, mas é possível revisitá-las quando quiser para cumprir sub-quests, disponíveis após derrotar os Chefes principais de cada mundo.

O incentivo para voltar a esses locais depende do quanto o jogador quer explorar, coletar diferentes recursos, enfrentar novos inimigos ou procurar colecionáveis.

E, apesar dos cenários serem praticamente os mesmos, essas missões secundárias apresentam caminhos diferentes que antes estavam bloqueados na missão principal ou que não podiam ser acessados. Uma leve pitada metroidvanesca (bem leve mesmo). É interessante para quem quer extrair tudo o que o jogo oferece, mas não é mandatório.

Entretanto, nem tudo são flores.

Thymesia

Apesar de ter adorado Thymesia, e ficado admirado em como apenas 7 desenvolvedores conseguiram entregar um produto tão bom — após absorverem críticas à sua demo disponibilizada na Steam, e a partir daí melhorado várias das mecânicas no jogo final —, um ponto me incomodou bastante: a super armadura de alguns inimigos, em especial de alguns Chefes.

O conceito de super armadura é aplicado em diversos souls-like, incluindo os clássicos da From Software, e ele basicamente reflete a capacidade de um inimigo em absorver dano e mesmo assim contra-atacar.

A diferença é que mesmo contra os inimigos mais fortes de Dark Souls, Bloodborne, Sekiro ou mesmo Elden Ring, um golpe específico ou sequência de ataques irá quebrar essa super armadura em algum momento, deixando seu nêmesis vulnerável por alguns segundos, possibilitando que jogador ataque causando mais dano ou aproveite essa pausa para respirar.

O problema é que em Thymesia — e ele te avisa já no tutorial —, alguns inimigos sempre terão essa super armadura ativa. O tempo inteiro.

O tutorial já não é para qualquer um

Entendo que isso incentive a agressividade em um game já brutal e veloz mas, é frustrante encaixar um golpe que você sente que tem um peso maior e no meio do seu ataque receber um golpe (muitas vezes devastador) de um inimigo com esse atributo ativo.

Como dito, entendo o porquê, outros jogos fazem ou fizeram uso dessa mecânica, mas não gosto dela em nenhum deles.

Apesar disso me fazer tirar alguns pontos de Thymesia — além da ausência de legendas em português e um motion blur impossível de ser desativado nos consoles —, por tudo que ele faz com excelência não consigo diminuir o brilho do jogo.

Ele é, no final das contas, um indie feito por um estúdio pequeno, que conseguiu construir um combate realmente muito bom e que tem mérito para se destacar em um mar de lançamentos sem a mesma qualidade. Se ele vai conseguir, como disse no começo desse review, é outra história.

Mas espero ter feito minha parte ao colocá-lo no seu radar. Ele merece.

Hub central Thymesia

A análise de Thymesia foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela Team17. Também disponível para Xbox Series, Nintendo Switch (via cloud) e Microsoft Windows.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.