Diário do Desenvolvedor – Conheça Magic Rampage

É ou pensa ser um desenvolvedor de games? Então junte-se anós e acompanhe um pouco do diário de desenvolvimento do jogo brasileiro Magic Rampage, um Action-RPG mobile totalmente gratuito.

Em 2012, eu tinha recém lançado o primeiro game pela Asantee Games, o Magic Portals (Android/iOS), e já tinha vontade de escrever um postmortem sobre este que fora o primeiro game criado e partir de uma ideia original e iniciativa própria, mas nunca cheguei a escrever nada.

Neste artigo, eu pretendo me redimir, mas dessa vez não com o Magic Portals, mas com um game mais recente, o Magic Rampage, e fazer uma análise da linha do tempo de desenvolvimento do projeto. Por ser um projeto bem maior, e mais profissional que o anterior, com o Magic Rampage provavelmente tenho mais experiências e aprendizado para compartilhar com quem pretende completar uma quest semelhante a essa.

Pelo nome, dá para desconfiar que o Magic Rampage é algum tipo de sequência para o Magic Portals. E é mesmo, mas, o jogo novo tem uma proposta um pouco diferente do anterior. O Portals é um puzzler bem simples baseado na mecânica de portais já bem conhecida após o Portal (Valve), adaptado para o estilo plataforma e telas touch. Já o Rampage é principalmente um game de ação, que por trazer vários elementos de Action-RPGs, acabou sendo um projeto bem maior. Quando digo “maior”, quero dizer que deu muito mais trabalho que o anterior.

Como uso Git, ficou fácil dar vários rollbacks no código-fonte e rodar versões antigas do jogo, marcados pela data exata de cada versão. Mas, antes de começarmos a destrinchar essas versões, que chamarei de pontos-chave, cabem alguns esclarecimentos:

  1. Eu trabalhei ao longo desse período em tempo integral no desenvolvimento do game. Este não foi um projeto de “fim de semana”, porém, ao longo desse ano tive que fazer algumas pausas para realizar manutenções miscelâneas em outros jogos nossos, e também no Ethanon.
  2. Usei no Magic Rampage o mesmo engine que uso em todos os meus últimos jogos, o Ethanon. E para que algumas características técnicas do game fossem possíveis de acontecer, gastei muito tempo de desenvolvimento implementando features novos no próprio engine, que não conto como tempo gasto no desenvolvimento do game em si pelo fato de que o Ethanon é um projeto à parte.
  3. Eu sou o responsável por toda a programação do game, e a maioria das questões de game design acabam por isso ficando sob minha responsabilidade também. Mas eu não fiz este game sozinho. Houve muito trabalho de produção e logística que foi tocado pelo meu sócio na Asantee Games, o Bruno “Porkaria” Fernandes, e é claro, a participação do Estúdio Panda Vermelho e sua pequena equipe de ilustradores, que não só ilustraram, mas sempre participam ativamente na elaboração dos elementos do jogo. Por envolver muitos desafios técnicos, a direção de arte acabou ficando mais nas minhas mãos mesmo.

Este artigo é, além de um postmortem do projeto, uma análise autocrítica do processo de produção do game.

Premissas iniciais

Amo games de plataforma do fundo do meu coração sombrio e congelado, e há muito tempo que quero fazer um game de plataforma no estilo metroidvania, ou algo próximo disso. Desse ponto de vista, considero o Penumbra e o Castelo das Sombras (não o famoso game de horror, um outro meio tosco com o mesmo nome que eu fiz), e o Magic Portals como ensaios iniciais para o Rampage. De início, eu queria que esse metroidvania tivesse algumas características principais:

  • Permitir que o jogador customize seu personagem, e possa pegar outras armas e armaduras ao longo do jogo. E quando equipados, esses itens novos devem refletir diretamente não só na jogabilidade do personagem, mas também no seu visual.
  • Ser amigável para jogar em smartphones e tablets, já que neles está uma plataforma que já conheço razoavelmente bem e de onde eu conseguiria gerar receita mais rapidamente que qualquer outra plataforma.
  • Quando jogado de um PC/Mac/Console, não se parecesse com um “joguinho para celular”, tanto no visual, como no gameplay.
  • Ser perfeitamente/preferivelmente jogável com um joystick ou gamepad, para passar uma experiência de console, mas ainda assim ser OK de se jogar com certa agilidade num dispositivo com uma tela touchscreen.
  • Ser gratuito para baixar e jogar, já que no Magic Portals (que custava $0.99 inicialmente) o índice de pirataria chegou a cerca de 90% do total de jogadores.
  • Ele seria free-to-play, e a receita viria somente de microtransações, mas somente se o jogador quiser. Sem fazê-lo se sentir “castrado” caso não queira ou não possa pagar por nada (sensação ruim que surge com boa parte dos games free-to-play que vejo hoje em dia).
  • O formato do game não poderia seguir à risca a receita de um Metroidvania convencional por ter de se adaptar bem à plataformas de bolso. Então o quesito de exploração em um único grande mundo teve de ser substituído por fases sequenciais mais no estilo dos Super Mario da vida.

Outro ponto que já fora previsto nas primeira fases de desenvolvimento é que inicialmente seria lançada uma versão “incompleta” do game, isto é, com pouco conteúdo na primeira versão, mas com promessas de novas horas de gameplay ao longo dos updates do jogo. Pelo que andei vendo, chamam isso de game episódico.

Game episódico, porque é descolado? Não.

Uma experiência bastante positiva que tive com o Magic Portals foi de ir criando novas fases e ir moldando a cara do jogo conforme as pessoas iam jogando e me passando seu feedback. Sendo assim, a versão final do Portals ficou bem diferente do que eu tinha concebido antes de lançar. Isso significa que criar novas fases depois do jogo já lançado diminui bastante as chances de erros que causem problemas grandes a longo prazo durante o design e o desenvolvimento do gameplay do jogo. Mas não é essa a principal vantagem desta prática na minha opinião.

A grande vantagem de lançar um game episódico, nas experiências que tive, é começar a gerar receita com o jogo antes dele estar 100% completo, o que é excelente para empresas pequenas e independentes que não possuem um caminhão de dinheiro para investir e se dar ao luxo do lucro de longo prazo. Certamente isso é uma vantagem muito clara nas plataformas mais modernas de distribuição, como a App Store e Google Play Store, e podem não apresentar o mesmo cenário vantajoso em outros meios de distribuição (dos quais não tenho experiência suficiente ainda).

Com essa experiência já adquirida com o Magic Portals, eu não tive dúvidas de que seguiria o mesmo modelo no Magic Rampage: lançar com poucas fases inicialmente, e ir construindo as novas enquanto interajo diretamente com os jogadores por meio do grupo de beta testers e redes sociais. Comecei a codar duro em dezembro de 2012, quando já tinha o primeiro protótipo da jogabilidade do game.

13 de dezembro de 2012 – Primeiro Protótipo

Magic Rampage

O screen shot acima foi tirado do primeiro protótipo de jogabilidade. Era, obviamente, bem simples, e nele já era possível mover o personagem com o teclado para os lados, e dar um pulo simples.

Quando começo a desenvolver algo, gosto muito de usar sprites do RPG Maker como place holders já que nela a animação é bem simples e genérica, então é excelente para prototipagens rápidas. Outra razão pela qual escolhi este formato de sprites, é que já tenho várias combinações de armaduras e parte do corpo neste padrão em meu banco de sprites, então já teria aqui todos os place holders de personagem e armaduras para ir desenvolvendo esta parte do sistema do jogo enquanto os ilustradores trabalhavam nos personagens originais.

Os pedaços de cenário que usei como place holders durante um bom tempo foram retirados do Super Mario World. Não por acaso, esse é um clássico que serviu muito de inspiração consciente, e provavelmente inconsciente, para o level design do Rampage.

Depois de ter definida a jogabilidade básica, que costuma ser algo bem simples num primeiro momento, mas que passa por milhares de pequenos ajustes ao longo de todo o processo de desenvolvimento, comecei a entrar nos detalhes que seriam mais específicos do jogo.

A série Diário do Desenvolvedor é um espaço destinado a desenvolvedores brasileiros, que visa registrar um pouco do seu dia-a-dia no mundo do desenvolvimento de jogos e incentivar cada vez mais os aspirantes nessa área a conhecer mais sobre a realidade do mercado de jogos no Brasil. Até o próximo episódio.

André Santee
Sou programador e (game) designer profissionalmente, e sociólogo amador, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.