Análise The Church in the Darkness (PS4)

Se infiltre em um culto no coração da selva amazônica no simples porém narrativamente excelente The Church in the Darkness.

The Church in the Darkness Divulgação

O ser humano é um animal complexo, capaz de um espectro gigantesco de sentimentos e comportamentos, porém uma característica animal básica é a coletividade, queremos fazer parte do grupo, sermos aceitos, nos sentir seguros e protegidos.

Queremos pertencer.

Mas diferentemente de outros animais, nós humanos possuímos, em maior ou menor grau, um sentimento que foi usado ao longo da história tanto para o bem como para o mal: a fé.

Seja a crença em um poder maior ou o sentimento de sermos os escolhidos, os merecedores de algo e até mesmo à confiança depositada em outras pessoas, estamos predispostos a confiar, a acreditar em algo ou alguém.

E assim como existe a fé existem os exploradores desse sentimento.

E é nessa premissa fortemente inspirada por fatos reais que The Church in the Darkness se desenrola.

Crítica social foda

Desenvolvido pela Paranoid Productions e lançado para todas as plataformas em 02 de agosto de 2019, The Church in the Darkness combina uma jogabilidade e visuais simples com uma narrativa excelente e intrigante sobre temas espinhosos como relações familiares, fé, capitalismo, racismo, entre outros.

Escolha suas histórias

A premissa do título é simples, o jogador controla Vic, e o objetivo principal é se infiltrar em um culto na selva sul americana e localizar seu sobrinho Alex que abandonou sua vida nos Estados Unidos para se juntar a esse culto chamado Collective Justice Mission.

O jogador escolhe se Vic é um homem ou uma mulher e pode escolher também o tom de pele do personagem, mas isso não tem maiores implicações para a jogabilidade em si.

O jogo se passa nos anos 70 em uma cidade fictícia chamada Freedom Town e ao longo do gameplay o jogador vai descobrir os motivos que levaram Alex a não se comunicar com sua mãe há um tempo, quais os motivos para precisarem levar o culto para outro país, quais os pensamentos e doutrinas das pessoas envolvida e com sorte conseguir encontrar Alex.

A história é revelada ao jogador de três formas: através de itens coletados explorando o cenário, interagindo com NPCs e através de pregações de Rebecca e Isaac Walker, líderes do culto, através dos alto falantes espalhados pelo mapa.

Casal Walker em The Church in the Darkness
Casal 20

O tempo inteiro você será bombardeado por esses sermões e é muito interessante perceber como existe uma disputa, mesmo que velada, entre os dois pelo poder dentro do culto.

É comum ouvir transmissões em que um discorda do outro em uma transmissão anterior ou quando se interrompem em discursos conjuntos com visões diferentes sobre o mesmo assunto.

Essa forma de contar a história é uma forma mais passiva, em que o jogador está recebendo constantemente a visão libertária e anticapitalista dos Walker.

E é algo tão constante e persistente que soa como uma lavagem cerebral para que os fiéis percam gradualmente todo o contato com o mundo exterior e se voltem apenas para a comunidade.

Mas a história realmente interessante é contada de modo mais ativo, e vai depender muito mais que o jogador observe e explore o cenário, tenha contato com os NPCs que te incumbem de missões secundárias e revelam mais sobre o casal de pastores e principalmente a leitura dos documentos encontrados pelos cenários.

Quest de uma NPC

Através desses é possível ver a real face da comunidade, os medos e a desconfiança pelo desaparecimento de alguns habitantes, a preocupação com punições excessivas, cartas interceptadas que nunca chegarão ao seu destino, o aumento no número de armas no assentamento, os arrependimentos de alguns e como um sonho pode ser tornar rapidamente um pesadelo.

Por outro lado, pode ser que o jogador também tenha experiências e impressões muito positivas dependendo das suas escolhas, já que narrativa é proceduralmente gerada.

Documentos em The Church in the Darkness
Exemplo de documentos encontrados nas barracas

Isso implica nas personalidades dos líderes do culto e, portanto, as percepções da comunidade, de Alex e as suas próprias mudarem radicalmente entre jogadas, o que dará ao jogador mais opções de decisão de para onde conduzir a história.

Em algumas ocasiões os Walkers podem ser mais paternalistas e em outros gameplays mais messiânicos, tirânicos e apocalípticos.

O mapa é sempre o mesmo, não há elementos procedurais aqui, mas a posição de itens e pessoas essa sim também é randomizada a cada nova jogada, criando assim estratégias de abordagem e exploração diferentes, prolongando assim a vida útil do game.

O mapa é sempre o mesmo, mas as posições diferem em cada história

Bem-vindo à selva

Se a história de The Church in the Darkness tem brilho próprio, a jogabilidade é mantida na penumbra e pode ser um demérito grande para muitas pessoas.

Apesar dos controles serem simples muitas vezes eles dão a impressão de que são imprecisos e desajeitados, como quando você aperta o botão para correr e o avatar demora um pouco a se movimentar ou quando o jogador arremessa uma pedra para atrair o guarda para outro local, mas ao invés de ir para o local em que a pedra acertou ele vem procurar de onde ela veio.

Isso por si só não é algo ruim, afinal pode ser que o guarda possa ser um pouco mais inteligente que a média, mas a forma que isso é implementada é ruim já que não é possível definir através de dicas visuais quando isso funciona como esperado ou quando dessa vez ele não cairá no chiste.

O primeiro disfarce liberado, mas existem outros melhores

Além das pedras é possível utilizar disfarces e outros artefatos que façam barulho e atraiam a atenção que são encontrados pelos cenários, como despertadores, televisores, etc.

A movimentação do personagem também não é um ponto alto, devido a visão ser isométrica muitas vezes é difícil perceber uma elevação do terreno e acabar ficando preso no cenário, principalmente nas escadas das construções.

Outro detalhe ignorado é o som que você produz, apesar de ser focado em furtividade você pode passar correndo atrás de um cultista e ele irá te ignorar, a única forma que ele percebe que existem alguém ali é se você entrar no cone de visão dele, que é representado por diferentes cores nas duas menores dificuldades.

Cone de visão The Church in the Darkness
Visão além do alcance

Cones de visão verdes indicam NPCs passíveis de interação e missões secundárias, amarelos são os civis e caso te vejam eles poderão ou não alertar os guardas que possuem cones vermelhos e usam armas mais leves, os bonecos que parecem militares tem cones pretos e portam armas mais pesadas que te abatem mais rapidamente.

Como Vic tem background militar ela não é totalmente indefesa, podendo utilizar submissões não letais ou pode optar por matar todos em seu caminho. Em contrapartida é uma personagem frágil e pode ser facilmente capturada se não for tomado o devido cuidado.

É possível jogar de outras formas que não seja stealth, mas dificilmente vai ser possível chegar ao final tentando bancar o Rambo.

Sua personagem pode ser capturada duas vezes ao longo de cada história e logo após o questionamento por um dos pastores a respeito das suas motivações e enquanto decidem como lidar com sua presença, você tem a chance de escapar.

O guarda que está tomando conta do seu cárcere tem a inteligência artificial de uma melancia, então empreender fuga se resume em apertar um botão e não entrar no seu campo.

Rapaz, assim que você for embora eu vou apertar quadrado e sair de boa

Porém após essa segunda chance caso seja capturada novamente o resultado é game over.

E por mais que seja frustrante chegar em uma situação dessas um dos pontos positivos é que o mapa é pequeno e esses possíveis múltiplos gameplays que o jogador fará são bem curtos e dificilmente uma jogada bem-sucedida irá demorar mais do que 1 hora.

Escolha suas histórias

Infelizmente todas essas jogadas muito dependentes e orientadas pela história não podem ser feitas em português do Brasil já que o jogo não está localizado para terras tupiniquins.

Por outro lado, existem legendas em inglês e a dublagem dos personagens principais é muito boa e bem atuada, com destaque especial para a dubladora Ellen McLain, mais conhecida por ser a dubladora de GLaDOS da série Portal e que aqui faz a antagonista Rebecca Walker.

O que pode (e vai) fazer o jogador revisitar várias e várias vezes The Church in the Darkness é o seu grande fator replay.

O jogo conta com 19 finais possíveis e mesmo quem não tenha a intenção de fazer todos, recomendo conseguir ao menos alguns para observar as mudanças que podem ser sutis ou profundas entre cada um.

Além disso ao concluir o jogo com outros finais são liberados novos itens e disfarces que podem ajudar a terminar o game em dificuldades maiores e a escolha de personalidades diferentes determinarão quais missões secundárias de NPCs estarão disponíveis naquela jogada.

Parafraseando a banda Eagles com a música Hotel Califórnia o sentimento que fica ao terminar o game é exatamente o do final da canção:

“Você até pode registrar a saída quando quiser, mas você nunca poderá partir”

A análise de The Church in the Darkness foi feita através de uma cópia de PS4 fornecida pelo desenvolvedor.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.