Análise The Evil Within 2

Melhorando o que não funcionou bem no primeiro jogo e fazendo bom uso da experiência de Shinji Mikami, The Evil Within 2 é uma boa dose de terror e sobrevivência.

Para começar a falar sobre The Evil Within 2, é interessante colocar um pouco de contexto sobre o passado e o atual momento dos jogos de horror.

Shinji Mikami, produtor do jogo, é figura central na criação não só da franquia Resident Evil, que pode-se afirmar que consolidou o gênero survival horror nos games, mas também foi um dos responsáveis por revitalizá-la com Resident Evil 4, um dos jogos mais influentes de todos os tempos dentro da ação em 3ª pessoa. Se você gosta de qualquer coisa que existe entre Dying Light, passando por Left 4 Dead, até The Last Of Us, deve muito a Mikami.

Porém, a formula criada e aperfeiçoada por Mikami deu sinais de cansaço, sobretudo com a tendência da Capcom em ampliar significativamente o escopo da franquia Resident Evil para o gênero de ação, a ponto de RE6 ser mais parecido com um filme da franquia Transformers do que algo que lembre remotamente a mansão de Raccoon City.

Por esse motivo, a revitalização dos jogos do gênero aconteceu de maneira lenta até que uma excelente safra de jogos que incluiu Amnesia, Outlast, Alien Isolation e até a demo “P.T.”, que deveria apresentar um novo título da franquia Silent Hill, produzido em uma parceria de Hideo Kojima e Guillermo Del Toro, mas cancelado pela Konami (vamos todos chorar juntos), trouxeram de volta o brilho do gênero survival horror, mostrando que é sim viável fazer jogos onde ingrediente principal é fazer o jogador sentir medo. Tal foi a influência desses novos jogos, que a Capcom fez com que Resident Evil 7 voltasse às raízes do horror e criou o primeiro jogo totalmente em primeira pessoa da franquia.

Resident Evil de várzea

É aqui que entra The Evil Within 2. O segundo jogo da franquia, desta vez apenas produzido por Shinji Mikami a bordo da Tango Gameworks e distribuído pela Bethesda (a mesma de Fallout 4, Skyrim, Doom e Dishonored), assim como o primeiro, é uma busca à abordagem mais clássica do gênero, tal como a apresentada em Resident Evil 4. Só que desta vez apresenta elementos novos, trazidos de vários outros jogos que o próprio RE4 influenciou, em uma verdadeira retroalimentação onde as criaturas influenciam diretamente o criador (isso ficou bonito, hein?).

Indo direto ao ponto, The Evil Within 2 começa com o protagonista Sebastian Castellanos embarcando em uma jornada dentro de uma realidade virtual na busca por sua filha perdida, Lilly. Logo nos primeiros minutos do jogo somos levados ao laboratório a corporação Mobius (mas poderia ser Abstergo) pela “amiga” de Sebastian, Juli Kidman, que será nosso contato com o mundo externo durante o jogo. Mesmo após os acontecimentos do Hospital Beacon (contados no primeiro jogo), a Mobius insiste em utilizar a realidade virtual STEM (mas poderia ser Animus), desta vez para criar a pacata cidade de Union, que, assim como o Hospital Beacon, acaba dando problemas.

O que ninguém poderia imaginar é que o sistema STEM necessita de uma “mente estável” para funcionar como núcleo (seja lá o que isso quer dizer) e logicamente que a filha de Sebastian é utilizada para essa finalidade. Uma vez que a mente dela se perde dentro do STEM o sistema entra em colapso e, após tentativas frustradas de contenção, Castellanos é “convidado” para resolver o problema, devendo entrar sistema, encontrar Lilly e salvar o dia. Simples não?

Union: Cidade muito agradável

The Evil Within 2 tenta melhorar a fórmula básica de RE4, com a introdução de áreas abertas, que embora não sejam tão amplas, dão uma boa sensação de mundo aberto. Pontos de interesse são mostrados no mapa, à medida em que nos aproximamos deles, utilizando uma mistura de mecânicas vistas em Fallout 4 e The Division: um sinal de rádio indica onde o objetivo está e, no objetivo, um “eco” nos mostra o que aconteceu naquele lugar. A utilização de técnicas já vistas em outros jogos não para por aí. Temos a coleta de peças e mesas de trabalho vistas em Fallout 4; o mundo ligeiramente aberto, tal qual Dying Light; a furtividade de The Last Of Us; um breve uso da câmera em primeira pessoa, de Outlast e Resident Evil 7, além dos clássicos movimentos introduzidos por RE4.

Embora as áreas abertas estejam presentes e seja um recurso interessante, é em ambientes fechados que o jogo brilha. The Evil Within 2 sabe utilizar muito bem o clima claustrofóbico para criar a atmosfera de terror que todos esperam de um jogo produzido por Mikami. Além disso, é nas áreas fechadas que o jogo nos apresenta aos poucos a seu primeiro antagonista: um serial killer soltou no STEM, através de sua “obras”, que são loopings de tempo e espaço no exato momento da morte de algum agente da Mobius ou habitante da cidade de Union.

Enquanto as áreas abertas funcionam como escapes de tensão e coleta de itens, é nos ambientes fechados que toda o cerne do jogo está concentrado, tanto em narrativa, quanto em gameplay.

E se existe algo que pode ser percebido com toda clareza, é que o estilo criado por Mikami em Resident Evil 4 continua funcionando maravilhosamente bem. O combate é divertido e a tensão gerada pela escassez de itens continua genuína, assim como a satisfação de ir aos poucos desvendando os mistérios que envolvem o desaparecimento de Lilly, a corporação Mobius e as motivações Serial Killer.

Agora estamos conversando!

Mas se o jogo anda bem quanto ao survival, deixa um pouco a desejar no que diz respeito ao horror. Explico. Tudo começa com a premissa de que estamos dentro de uma simulação, pois em certos momentos, em determinados trechos de gameplay ou exploração, a suspensão de descrença é afetada, fazendo com que eu deixasse de me importar se um inimigo me mataria, por exemplo. A premissa da simulação também dificulta quando percebemos que os habitantes da cidade de Union simplesmente não existem. Por vezes me perguntei o que seriam os monstros espalhados pelo mapa da cidade, já que não se tratam de zumbis, “ganados” (te voy hacer picadillo), ou mesmo clickers, runners e bloaters, como em The Last Of Us.

Os inimigos simplesmente estão lá, sem alguma explicação satisfatória, a não ser o fato de que a simulação foi sequestrada por um serial killer. Também é na variedade dos inimigos que reside um dos pontos fracos do jogo, pois embora sejam  figuras verdadeiramente aterrorizantes, há pouca variedade. O destaque fica para os sub-chefes, com design bastante criativo (e grotesco) e para as assombrações que tem o dom especial de me deixar quase congelado de medo enquanto eu jogava.

Outro ponto negativo é a quase ausência das animações de mortes violentas, que são mostradas de forma bem econômicas e, quando ocorrem, são logo escondidas por uma tela vermelha. Não há sequer um “YOU DIED”. Uma pena.

“Pai nosso que estás no céu santificado seja Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade”

Também se mostra um pouco estranho o sistema de upgrades de armas e habilidades, onde devemos encontrar um ponto de salvamento, entrar por um espelho (?), ir até o antigo escritório de Sebastian, sentar em uma cadeira de rodas especial (!?) e, em outra dimensão, com a ajuda de uma enfermeira (!!?), escolher uma série de “implantes cerebrais” que irão melhorar as habilidades de combate e sobrevivência de Sebastian, utilizando pontos de… gosma verde (!?!?). Ao menos o melhoramento de armas pode ser feito nas mesas de trabalho espalhadas pelo jogo (mas existe uma dentro do espelho, acaso precisar). Mas de todo modo, vejo  esses detalhes como uma tentativa de encaixar várias peças soltas e incluir esses sistemas dentro da premissa de simulação de realidade do jogo. Embora difícil de engolir, não atrapalha em nada a experiência.

Para finalizar os pontos baixos do jogo, preciso falar de Sebastian Castellanos. Provavelmente o ser humano mais ingênuo de todos os tempos, Sebastian faz os comentários mais óbvios nas situações mais previsíveis possíveis e nunca acredita no que vê, e embora esteja preso dentro de uma realidade virtual onde os monstros mais grotescos são apresentados, sempre em que surge um novo inimigo ou situação, Sebastian vai exclamar algo do tipo “não pode ser!” ou “não acredito!”. Com carisma zero, Sebastian Castellanos consegue a façanha de ser um dos protagonistas mais sem graça dos video games. Por outro lado, a dublagem do personagem é excelente. Após jogar um pouco tanto em português, como em inglês, posso afirmar que o trabalho de localização da Bethesda está primoroso.

O trabalho de Tatá Guarnieri (Sam Fisher em Splinter Cell Blacklist; Jim Raynor em StarCraft 2 e o próprio Chaves), consegue dar alguma personalidade a Castellanos, melhorando em muito a imersão no jogo e ajudando com a conexão do jogador ao personagem. Inclusive, a dublagem de todos os personagens está em alto nível. Recomendo que joguem The Evil Within 2 inteiramente em português.

Bastante munição em frente à uma sala vermelha. O que será que significa?

Para finalizar, posso dizer que apesar dos pontos negativos, The Evil Within 2 tem um saldo positivo bastante satisfatório, sobretudo se você gostou da experiência com Resident Evil 4 e jogos aproximados, tais como Dead Space e The Last Of Us. A fórmula do sucesso de RE4 está mais viva do que nunca e durante as horas podemos encontrar sutis referências à franquia da Capcom, que mesmo que não sejam intencionais, me deixaram bastante ansioso por um remake de Resident Evil 2.

Resident Evil, é você?

No fim das contas, The Evil Within 2 mostra que Shinji Mikami domina como poucos o gênero do survival horror e, ainda que não seja um jogo perfeito, diverte e satisfaz quem está em busca de uma experiência dentro do gênero. Recomendo com força!

Agora sobrou tempo pra parar e apreciar?

The Evil Within 2 foi lançado no PC, PlayStation 4 e Xbox One. Análise feita a partir de uma cópia da versão PlayStation 4 cedida pela assessoria de imprensa da Bethesda.

Tiago Matias Escobar
Metaleiro não uniformizado. Cerveja, pizza, games e viagens ocasionais.