Análise HITMAN 3 (PS4)

A IO Interactive acerta todos os alvos ao encerrar a trilogia moderna do Agente 47 no ápice do seu desempenho técnico e narrativo com HITMAN 3.

HITMAN 3

HITMAN 3 encerra com chave de ouro a trilogia World of Assassination, iniciada em HITMAN (2016) e amadurecida em sua sequência HITMAN 2 (2018). Mas isso você já deve estar careca de saber (risos), já que provavelmente leu essa mesma frase em uma dezena de lugares diferentes até agora.

Mas, para entender o produto magnífico que HITMAN 3 se tornou é preciso olhar para o passado e entender como a ideia do próprio World of Assassination — uma plataforma que reuniria missões isoladas em diversas partes do mundo e integradas por uma única história — surgiu das cinzas do lançamento de outro jogo, que quase condenou o Agente 47 a uma morte prematura.

O nome desse divisor de águas na franquia é Hitman: Absolution.

Um fracasso de sucesso

A IO Interactive nasceu em 98 através do empreendimento conjunto de duas empresas, o minúsculo estúdio de games Reto-Moto, que ainda não tinha lançado nenhum jogo na época, e o centenário estúdio de cinema Nordisk Film, mais conhecido recentemente pela co-produção do aclamado filme de terror Midsommar (2019) e pela aquisição da Avalanche Studios em 2018.

HITMAN 3 apontando a arma

O primeiro lançamento da empresa, Hitman: Codename 47 foi um sucesso morno. Reconhecido por suas ideias originais, o game foi muito criticado por sua dificuldade alta demais. E mesmo que os próximos dois títulos tenham sido melhor avaliados, foi sob o comando da Eidos, (que comprou a empresa em 2004) que o estúdio encontraria sua fórmula de sucesso com Hitman: Blood Money, em 2006.

Cenários amplos com diversas oportunidades, possibilidades diferentes para cada assassinato, quantidades de NPCs que desafiavam os chipsets do PlayStation 2 e Xbox Original, e uma história madura fizeram com que Blood Money se tornasse um marco para o estúdio — e para os fãs.

E, mesmo que a IOI tenha investido ao longo dos anos em novas IPs, como os frenéticos e lineares jogos da dupla Kane & Lynch, ou o adorável e infantil Mini Ninjas, após seis anos curtindo a aposentaria era hora do Agente 47 retornar à ativa.

Em conjunto com a Square Enix (que havia adquirido em 2009 a Eidos e por tabela a IOI) o estúdio lançou Hitman: Absolution em 2012. Com cenários lineares, possibilidades limitadas e um foco maior na ação, Absolution bebia mais da fórmula de Gears of War e COD: Black Ops do que de Blood Money. E mesmo tendo recebido boas notas, ele sofreu com uma crítica pesada para o orgulho da IOI: “É um ótimo jogo de ação, só não é um Hitman de verdade.”

Hitman: Absolution
Hitman: Absolution era um jogo de ação muito mais frenético que os anteriores da franquia

Absolution vendeu 3,6 milhões de cópias, um número que não era o que a Square esperava pela contrapartida ao que havia investido. Segundo a empresa as perdas causadas por Sleeping Dogs e Hitman: Absolution somadas chegavam a 61 milhões de dólares. Contudo, uma coisa surpreendeu a todos: um ano após o lançamento o modo online de Absolution, Contracts, em que um jogador criava alvos, objetivos e desafios para outros jogadores, continuava ativo e muito movimentado.

Se Absolution não era o jogo que os fãs esperavam, eles mesmos fariam seu próprio Hitman dentro de Contracts.

Isso acendeu uma luz na cabeça dos desenvolvedores: E se o próximo jogo da franquia combinasse a tecnologia desenvolvida em Absolution, mas retomasse a fórmula de mundo aberto de Blood Money? E se cada cenário fosse um contrato contido, aos moldes de Contracts? E se a IOI lançasse atualizações constantes para esses contratos aumentando a vida útil do jogo?

Dessa forma a chama original da trilogia World of Assassination surgiu e a desenvolvedora recebeu sinal verde para começar o projeto.

Contudo, apesar da ideia ser ótima, o primeiro título não foi um sucesso instantâneo, e um dos motivos foi a escolha do formato que ele seria lançado: HITMAN teria formato episódico. Esse era um modelo de negócios bem difundido pela Telltale Games, com uma boa aceitação pelos fãs. Porém no caso de Hitman, a manobra levantava suspeitas de que as coisas não iam tão bem na desenvolvedora dinamarquesa.

HITMAN 3 Apresentação 47

Essa desconfiança refletiu na quantidade inicial de vendas dos primeiros episódios, o que levou a Square Enix a suspender o financiamento de HITMAN 2, que já estava sendo desenvolvido em paralelo, e abrir negociações para um processo de venda da IO Interactive.

Após várias reuniões a Square permitiu que a IOI fizesse um Management Buyout ou MBO, que é quando os próprios administradores tem a opção de comprar a empresa antes que ela seja ofertada a terceiros.

Dessa forma, a IOI se tornou independente mais uma vez, e apesar da gigante japonesa ainda possuir ações da companhia como parte do acordo, o poder de decisão voltava para o estúdio. Aproveitando a plataforma criada para o primeiro game, com acordo de publicação pelo selo Warner Bros., e abandonando o formato episódico, HITMAN 2 foi desenvolvido em tempo recorde. E, dessa vez o sucesso foi imediato.

E foi esse sucesso — e essa independência — que possibilitou que HITMAN 3 fosse lançado em 20 de janeiro de 2021, com desenvolvimento e publicação totalmente bancados pela própria IO Interactive, para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X|S, Google Stadia e Microsoft Windows.

Um grito de liberdade, que custou caro no começo, mas que foi necessário.

O triunfo de HITMAN 3

A ideia de um mundo unificado com certeza ajudou muito no desenvolvimento da trilogia, e também contribuiu para que juntos os três jogos sejam uma unidade concisa.

Inclusive, caso você já possua os jogos anteriores é possível jogá-los dentro da plataforma que HITMAN 3 se tornou, com os avanços gráficos da engine Glacier atualizada.

HITMAN 3 Argentina
Os cenários estão absurdos de lindos

Os menus e jogabilidade continuam parecidos, com pequenas melhorias na navegação, justamente para transparecer essa ideia de produto único. Mas, isso não que dizer que não existam novidades em HITMAN 3.

Os cenários estão mais verticais, o que permite uma gama maior de possibilidades na abordagem e planejamento. E, por falar em planejamento, o Agente 47 tem um novo gadget em seu arsenal: uma câmera capaz de hackear portas, janelas e dutos de ventilação, e que também funciona como uma espécie de scanner de pontos de interesse e pistas.

Além disso, existem atalhos que podem ser liberados permanentemente e que permitem uma movimentação mais livre pelos cenários. Essa mecânica, em conjunto com a já conhecida Masterização — que possibilita ao jogador iniciar as missões de pontos distintos quando for repetir alguma locação — ajuda muito a descobrir as dezenas de variações possíveis que o jogo oferece. Além de missões contextuais, que só acontecem dependendo das ações do jogador.

Com toda essa liberdade, se HITMAN 3 precisasse ser resumido em uma única palavra ela seria “Escolhas”, no plural e em maiúsculo mesmo.

A variedade de possibilidades é surpreendente. E elas não se limitam apenas a como finalizar o alvo, seja abusando de mortes tradicionais, acidentes inusitados ou até as mortes mais galhofas. Quando falo em variação, me refiro a caçada em si, como um todo.

HITMAN 3 Trem
Em HITMAN 3 todo dia é dia do caçador

O Agente 47 é como um predador que passa dias observando, aprendendo rotinas e caminhos, cercando, atraindo e separando sua presa do bando, salivando enquanto planeja a melhor hora e lugar para atacar. O verdadeiro caçador é calmo, ele sabe que o momento vai chegar e o controle da situação, quando bem planejada, é totalmente seu.

Em um espectro amplo, HITMAN 3 não é um jogo de tiro ou de furtividade, na verdade ele é um quebra-cabeças, ou um grande jogo de xadrez.

É preciso observar, analisar, planejar e entender as variáveis envolvidas antes de fazer seu movimento, e tentar jogar ele como um game de ação só vai te trazer dor e sofrimento. Obviamente é possível, e às vezes necessário, bancar o Rambo em alguns momentos, mas pense neles como a exceção que valida a regra.

Uma maravilha técnica

E se as dezenas de possibilidades e desafios não bastassem, o pacote refinado que a IO Interactive alcançou com o final dessa trilogia é impressionante.

Os cenários estão absurdamente lindos e cada cidade tem diferenças significativas que fazem com que você fique empolgado para ver qual será a próxima surpresa. Enquanto uma fase acontece em uma mansão de campo inglesa, outra tem como cenário uma rave em uma usina nuclear abandonada — isso para citar só duas das cinco locações que o jogador visita nas seis fases do jogo.

Rave na usina
Rave na usina abandonada!? Bora!

Considerando que para este review joguei em um PlayStation 4 base, é absurda a qualidade gráfica que conseguiram entregar. Os efeitos de iluminação estão maravilhosos, e com certeza este será um dos jogos mais lindos deste ano, principalmente quando o update com ray tracing for lançado para o PS5 e Xbox Series.

A trilha orquestrada continua fantástica e, em conjunto a excelente dublagem, ajuda a criar uma dinâmica incrível que consegue passar os sentimentos que as situações exigem. Considerando que o Agente 47 é incapaz de ter emoções, o elenco de apoio faz esse contraponto ao demonstrar as emoções e consequências que o caminho sangrento do Agente tem na vida das pessoas.

Não vou entrar em detalhes da história porque sei que apesar do título ser o encerramento de um arco, muitas pessoas começarão por ele e, talvez se interessem em ir atrás dos anteriores. A única coisa que posso dizer é que HITMAN 3 finaliza muito bem a narrativa que foi trabalhada nesta trilogia.

No começo existe um resumo simplificado do que aconteceu nos dois primeiros jogos, mas recomendo muito caso você tenha a oportunidade que jogue todos os episódios. O problema é que, infelizmente, no seu lançamento o game não está legendado em português do Brasil, o que pode ser um problema para muitos, principalmente considerando que os dois primeiros estavam.

HITMAN 3 China
A qualidade da iluminação mesmo sem ray tracing é impressionante

A série se tornou uma combinação quase perfeita de um amontoado de referências poderosas do mundo da espionagem, flertando desde os óbvios Missão Impossível e 007, mas passando pelos menos conhecidos, e, de certa forma, mais influentes para esta trilogia, como O Espião Que Sabia Demais e O Espião Que Veio do Frio.

Além disso, o game ousa ao dar pinceladas em gêneros como o mistério. Famoso pelos livros de Agatha Christie, o gênero de mistério influenciou Rian Johnson a dirigir o excelente filme Entre Facas e Segredos, que se tornou uma grande influencia para os desenvolvedores da IOI na construção do magnífico capítulo de Dartmoor, talvez a fase mais diferente (e a que mais gostei) dentro de um Hitman até hoje.

Ainda estamos em janeiro, a qualidade de HITMAN 3 faz com que, com certeza, ele seja um forte candidato a ser um dos destaques do meu ano por tudo que ele consegue entregar e, pelo fator replay que ele oferece se o jogador quiser explorar tudo. E acredite em mim, você vai querer repetir as fases assim que terminá-las. É viciante.

E para quem prefere mídia físicas e ainda não encontrou o game nas lojas, não se preocupe: o lançamento não será simultâneo com a versão digital, mas estará disponível a partir do dia 29 de janeiro para PlayStation 4, Xbox One e Xbox Series X|S e 11 de fevereiro para PlayStation 5.

Não tenho mais palavras (usei todas neste texto) para recomendar HITMAN 3. Sobrou apenas uma frase: Só vai.

Dartmoor

A análise de HITMAN 3 foi escrita com base em uma cópia de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.